terça-feira, 30 de junho de 2009

novo site da Associação Brasileira de Pesquisadores (as) Negros (as) – ABPN.


Prezados e prezadas,
É com imenso prazer que apresento o novo site da Associação Brasileira de Pesquisadores (as) Negros (as) – ABPN. Este é um momento significativo para os pesquisadores e pesquisadoras que têm acompanhado o percurso de desenvolvimento da ABPN. Aos pesquisadores e pesquisadoras que agora se aproximam, minhas palavras são de boas-vindas nessa caminhada que se inicia.

O novo portal da ABPN é compreendido como instrumento de aprendizagem coletiva e de fortalecimento de nossa ação política e acadêmica. Aproveitamos para anunciar que, em um futuro breve, estaremos aqui inaugurando nossa Universidade Virtual Afro-Diaspórica que, em parceria com o Consórcio de NEABs e universidades públicas, trabalhará na perspectiva de socialização e produção de conhecimentos multi e interdisciplinares sobre os saberes afro-brasileiros, africanos e das diásporas africanas em geral. Nossa Universidade Virtual, mediante essa parceria, promoverá cursos para o desenvolvimento dos nossos associados e associadas, bem como desenvolverá projetos e programas de capacitação para diversos segmentos: escolas, empresas, órgãos públicos, sindicatos e demais entidades públicas e privadas.

No que tange ao fortalecimento da nossa ação política, reservamos um espaço para tratarmos do Programa de revitalização do
Processo de Filiação, pautado na persecução do Artigo 3º. de nosso Estatuto: “Congregar os Pesquisadores Negros Brasileiros, e Congregar os Pesquisadores que trabalham com temas de interesse direto das populações negras no Brasil”.

Ao considerar a dinâmica do racismo acadêmico na sociedade Brasileira, a atual diretoria da ABPN não só reconhece a relevância, a abrangência e as interseccionalidades do seu campo de estudo, como deseja expandir seu quadro associativo mediante a ampliação da representatividade do seu quadro social. Nosso intuito é dar a devida atenção aos pesquisadores (as) já formados (as), que atuam ou não na educação superior, sem perder o panorama e às especificidades dos jovens graduandos, pós-graduandos e também dos(as) pesquisadores(as) que atuam na educação básica. Consideramos também a necessidade de pensarmos o enfrentamento do racismo em nível mundial. Assim, convidamos você a participar da nossa
enquete sobre o relacionamento e parceria da ABPN com pesquisadores(as) internacionais.

Seguindo esses objetivos, a diretoria da ABPN, a partir desta data, para além da socialização da sua missão com as representações regionais, inaugura um trabalho descentralizado e colaborativo com os Coordenadores (as) de
Áreas do Conhecimento, bem como com os integrantes das Comissões Permanentes, na perspectiva de consecução de sua missão, objetivos e finalidades, por meio dos nossos Projetos Institucionais.
Acredito que a nossa experiência ancestral de luta e de resistência, percebida sobretudo no processo
Histórico de constituição da ABPN, nos guiará a uma trajetória futura de sucesso, companheirismo, amizade e respeito. Estou certa de que apenas o movimento maduro, de mobilização sólida de todos (as) nós associados (as), permitirá o sucesso da Instituição, o sucesso do nosso grupo enquanto pesquisadores (as) e, consequentemente, nosso sucesso individual. Ainda que pareça um atalho, a inversão dessa ordem nos colocará, penso, em rota de colisão com nossos objetivos.

Ocumprimento da missão institucional da ABPN depende de todos e de cada um de nós.

Aguardamos sua visita periódica ao nosso portal e esperamos encontrá-lo (la) em nossas reuniões presenciais, para que, juntos (as) possamos reconfirmar nossa participação efetiva na construção de um mundo anti-racista, anti-sexista e anti-homofóbico.


Saudações de Axé.
Eliane CavalleiroPresidente da ABPN

Maior atriz de Moçambique sofreu discriminação racial em SP Lucrécia

Paco veio ao Brasil a convite do Itaú Cultural e para apresentações da peça teatrais.
Fazia tempo que eu não sentia tanta vergonha. Terminava a entrevista com a bela Lucrécia Paco, a maior atriz moçambicana, no início da tarde desta sexta-feira, 19/6, quando fiz aquela pergunta clássica, que sempre parece obrigatória quando entrevistamos algum negro no Brasil ou fora dele. "Você já sofreu discriminação por ser negra?". Eu imaginava que sim. Afinal, Lucrécia nasceu antes da independência de Moçambique e viaja com suas peças teatrais pelo mundo inteiro. Eu só não imaginava a resposta: "Sim. Ontem".
Lucrécia falou com ênfase. E com dor. "Aqui?", eu perguntei, num tom mais alto que o habitual. "Sim, no Shopping Paulista, quando estava na fila da casa de câmbio trocando meus últimos dólares", contou. "Como assim?", perguntei, sentindo meu rosto ficar vermelho. Ela estava na fila da casa de câmbio, quando a mulher da frente, branca, loira, se virou para ela: "Ai, minha bolsa", apertando a bolsa contra o corpo. Lucrécia levou um susto. Ela estava longe, pensando na timbila, um instrumento tradicional moçambicano, semelhante a um xilofone, que a acompanha na peça que estreará nesta sexta-feira e ainda não havia chegado a São Paulo. Imaginou que havia encostado, sem querer, na bolsa da mulher. "Desculpa, eu nem percebi", disse. A mulher tornou-se ainda mais agressiva. "Ah, agora diz que tocou sem querer?", ironizou. "Pois eu vou chamar os seguranças, vou chamar a polícia de imigração." Lucrécia conta que se sentiu muito humilhada, que parecia que a estavam despindo diante de todos. Mas reagiu. "Pois a senhora saiba que eu não sou imigrante. Nem quero ser. E saiba também que os brasileiros estão chegando aos milhares para trabalhar nas obras de Moçambique e nós os recebemos de braços abertos." A mulher continuou resmungando. Um segurança apareceu na porta. Lucrécia trocou seus dólares e foi embora. Mal, muito mal. Seus colegas moçambicanos, que a esperavam do lado de fora, disseram que era para esquecer. Nenhum deles sabia que no Brasil o racismo é crime inafiançável. Como poderiam? Fiquei muito mal Lucrécia não consegue esquecer. "Não pude dormir à noite, fiquei muito mal", diz. "Comecei a ficar paranoica, a ver sinais de discriminação no restaurante, em todo o lugar que ia. E eu não quero isso pra mim." Em seus 39 anos de vida dura, num país que foi colônia portuguesa até 1975 e, depois, devastado por 20 anos de guerra civil, Lucrécia nunca tinha passado por nada assim. "Eu nunca fui discriminada dessa maneira", diz. "Dá uma dor na gente. " Ela veio ao Brasil a convite do Itaú Cultural, que realiza até 26 de junho, em São Paulo, o Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito. Lucrécia apresentará de hoje a domingo (19 a 22/6), sempre às 20h, a peça Mulher Asfalto. Nela, interpreta uma prostituta que, diante de seu corpo violado de todas as formas, só tem a palavra para se manter viva. Lucrécia e o autor do texto, Alain-Kamal Martial, estavam em Madagáscar, em 2005, quando assistiram, impotentes, uma prostituta ser brutalmente espancada por um policial nas ruas da capital, Antananarivo. A mulher caía no chão e se levantava. Caía de novo e mais uma vez se levantava. Caía e se levantava sem deixar de falar. Isso se repetiu até que nem mesmo eles puderam continuar assistindo. "Era a palavra que a fazia levantar", diz Lucrécia. "Sua voz a manteve viva." Foi assim que surgiu o texto, como uma forma de romper a impotência e levar aquela voz simbólica para os palcos do mundo. Mais tarde, em 2007, Lucrécia montou o atual espetáculo quando uma quadrilha de traficantes de meninas foi desbaratada em Moçambique. Eles sequestravam crianças e as levavam à África do Sul. Uma menina morreu depois de ser violada de todas as maneiras com uma chave de fenda. Lucrécia sentiu-se novamente confrontada. E montou o Mulher Asfalto. Não poderia imaginar que também ela se sentiria violada e impotente, quase sem voz, diante da cliente de um shopping em um outro continente, na cidade mais rica e moderna do Brasil. Nesta manhã de sexta-feira, Lucrécia estava abatida, esquecendo palavras. Trocou o horário da entrevista, depois errou o local. Lucrécia não está bem. E vai precisar de toda a sua voz – e de todas as palavras – para encarnar sua personagem nesta noite de estréia. "Fiquei pensando", me disse. "Será que então é verdade? Que no Brasil é difícil ser negro? Que a vida é muito dura para um preto no Brasil?" Eu fiquei muda. A vergonha arrancou a minha voz. Escrito por Eliane Brum
Fonte: Estadão