quinta-feira, 30 de abril de 2009

Cota para deficientes é aprovada na Câmara

Reserva seria de 10% das vagas no ensino médio e em faculdades, inclusive estaduais.
Se não houver recurso, o projeto, que tem parecer favorável do MEC, vai para o Senado; deputado do PP protestou contra o texto;
MARIA CLARA CABRAL DA SUCURSAL DE BRASíLIA
A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou ontem projeto que destina 10% das vagas nos estabelecimentos públicos de ensino médio e superior para pessoas com deficiência.O texto tem caráter conclusivo e, se ninguém recorrer, segue para o Senado, sem passar pela aprovação do plenário. Se aprovado pelos senadores, o projeto irá à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), no entanto, protestou. Ele cogita apresentar recurso contra o projeto. "O sistema de cota vai recair contra os próprios beneficiários, que serão discriminados no futuro. Daqui a pouco, vamos aprovar cota para quem não tem cota. A própria Constituição diz que todos são iguais perante a lei."Segundo o censo do IBGE, de 2000, 34,5 milhões, ou cerca de 20% da população do país, têm algum tipo de deficiência. Desses, apenas 3,2 milhões estão na escola.Grande parte dos deficientes do país (9,8% da população brasileira) tem algum tipo de deficiência visual, diz o censo; outros 4,7%, motora. São os dois maiores índices de deficiência presentes no Brasil.O projeto não impõe limites para cursos ou tipo de deficiência. "Essa regulamentação será feita pelo governo, mas temos que usar o bom senso e a razoabilidade. Não podemos ter um cego sendo cirurgião", disse o deputado Efraim Filho (DEM-PB), relator do texto na CCJ.O projeto também gerou polêmica por abranger todas as instituições públicas, inclusive as estaduais e municipais. Alguns deputados lembraram que instituições de ensino superior têm autonomia e que uma lei federal não pode impor regras para instituições estaduais e municipais.O Ministério da Educação deu parecer favorável à proposta. O entendimento é que, como o projeto é uma sequência do acordo internacional assinado pelo Brasil sobre deficientes, não haverá contestações sobre a abrangência do texto.Atualmente, empresas com cem ou mais empregados já são obrigadas a reservar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Nos concursos públicos, há reserva de 20%.Além disso, algumas universidades públicas já adotam o sistema de cotas raciais.O Senado também analisa um projeto, já aprovado na Câmara, que destina 50% das vagas em universidades federais a alunos da rede pública, desde que a renda seja de até um salário mínimo e meio (R$ 697,50). Parte dessa cota deve ser reservada para negros e índios.Efraim Filho explicou que as cotas para deficientes são independentes das raciais. Segundo ele, todos os cotistas terão que se submeter à seleção.O projeto original sobre as cotas para deficientes é de 2003, e destinava 5% das vagas apenas nos estabelecimentos federais de ensino médio e superior. A Comissão de Educação, porém, ampliou a abrangência do texto.
São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Cotidiano.

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Perdoe o leitor se insisto no tema da desigualdade. Mas, se o presidente Lula pôde dizer uma vez que, qualquer dia, alguém o apontaria como "o chato do etanol", de tanto que fala no assunto, não me incomoda tornar-me "o chato da desigualdade".É, afinal, a maior chaga aberta na pátria. Chaga que tem sido escamoteada pela lenda de sua queda, baseada em pesquisas que apontam apenas a diminuição da desigualdade entre salários, não entre rendimentos do capital e do trabalho -essa sim a grande diferença.Para piorar ainda mais as coisas, há o fato de que a desigualdade é não apenas de renda mas também de oportunidades, de que dá contundente prova o resultado do Exame Nacional do Ensino Médio.Aceitando o precioso ensinamento contido na análise de Antônio Gois na Folha de ontem, nem vou falar da abissal diferença de desempenho entre escolas públicas e privadas, velha conhecida.O ponto principal, exposto por Gois e também por Reynaldo Fernandes, responsável pelo Inep, o instituto que faz o exame, é este: "Nenhuma prova mede só a qualidade da escola. Mede a do aluno, a formação dos pais e o contexto socioeconômico", como diz Reynaldo Fernandes.Tradução: filho de família pobre vai para escola pobre (no sentido de qualidade de ensino), filho de rico, para escolas mais equipadas. Consequência inexorável: o filho do rico tem mais possibilidades, também pela educação, de continuar rico ou ficar mais rico, enquanto ao filho do pobre o que se oferece é uma grande chance de perpetuação da pobreza -e, por extensão, da desigualdade com o concorrente rico.Fecha o círculo a afirmação de Fernandes de que "esse resultado se repete ano a ano", coisa, de resto, que todos estamos cansados de saber. Traduzindo: ano a ano, mantemos o molde da desigualdade.
São Paulo, quinta-feira, 30 de abril de 2009. CLÓVIS ROSSI. Folha de São Paulo. Opinião.