domingo, 19 de abril de 2009

Soweto, símbolo da resistência, se divide em mansões e casas com teto de zinco

DO ENVIADO A JOHANESBURGO
Mártir da luta contra o apartheid, Chris Hani, morto em 1993 por extremistas brancos, dá nome à avenida que corta o distrito do Soweto, dividindo-o em duas metades distintas.Para o sul, está o Soweto gravado no imaginário coletivo mundial, de grandes favelas com casas de teto de zinco e chão de terra alaranjada. Para o norte, intercalado com shoppings, escolas e hospitais, há um lugar com casas de tijolo de muro alto, jardins com grama cortada e eventualmente uma BMW virando a esquina. E que também se chama Soweto.Nenhum lugar na África do Sul adquiriu o simbolismo desse distrito de 1 milhão de pessoas (na verdade, uma coleção de 87 subdistritos), ao sudoeste de Johanesburgo, na resistência à segregação racial. Nelson Mandela e o arcebispo Desmond Tutu mantêm casas ali.Nos últimos anos, Soweto perdeu muito de sua homogeneidade, embora continue sendo quase 100% habitado por negros. Diepkroof, um subdistrito, surgiu no final do apartheid para abrigar negros com alguma escolaridade. Hoje lembra um condomínio fechado.Ali vivem profissionais liberais que trabalham no centro de Johanesburgo ou em Pretoria, a capital do país, a 50 km de distância. "As pessoas pensam nesse lugar como uma área de classe alta, e não como Soweto", diz Reabetswe Mogatusi, 19, estudante universitária.Diepkroof fica no alto de uma colina, de onde se avista a Soweto tradicional, de favelas intermináveis. O governo do CNA afirma ter construído 2,7 milhões de casas populares, algumas visíveis no local.Mas nada disso chegou, por exemplo, a Mutswalete, que tem o título de subdistrito, mas pode ser chamado de favela.Há luz nas vielas de chão de terra, mas não dentro das casas. "Usamos baterias de carro para ligar um radinho ou acender uma lâmpada", diz Innocent Sithole, 26. O maior problema é o desemprego. "Os empregos que aparecem são muito ruins", diz Floyd, 25, que vende cabritos para sobreviver.Mesmo assim, não há dúvida em quem Soweto vota. "CNA: poder para as pessoas!", responde Floyd. Ele é paciente: "O estrago de 50 anos [de apartheid] não tem como ser desfeito rapidamente". (FZ)
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Eleição sul-africana coroa ciclo turbulento

Pela primeira vez desde o fim da segregação racial, liderança histórica dos negros se divide em dois partidos diferentesPaíses vizinhos seguem com atenção disputa eleitoral na potência econômica e militar que dita os rumos de boa parte do continenteDO ENVIADO ESPECIAL A JOHANESBURGO
A eleição sul-africana da próxima quarta-feira coroa quatro anos de turbulência no país. O monolito político que era o Congresso Nacional Africano (CNA), partido que liderou a luta contra o apartheid e que capturou o poder desde o fim do regime, espatifou-se em uma ácida disputa entre o ex-presidente Thabo Mbeki e o virtual futuro presidente, Jacob Zuma."Superpotência" econômica e militar africana, a África do Sul dita os rumos do continente, e por isso a eleição vem sendo acompanhada de perto pelos países vizinhos.A guerra entre Mbeki e Zuma, vencido por este, teve um componente pessoal, de dois homens que passaram as três últimas décadas rivalizando à sombra do ícone Nelson Mandela, primeiro presidente pós-apartheid.No ano passado, após Mbeki ser alijado por Zuma primeiro da liderança do partido e depois da Presidência, parte de seus aliados promoveu o primeiro racha sério desde os anos 60 no quase centenário CNA.BispoFormaram o Cope (Congresso do Povo), que lançou o bispo metodista Mvume Dandala como candidato presidencial. Pela primeira vez, o CNA não pode mais se caracterizar como o partido dos negros contra uma oposição saudosista da discriminação racial.Não apenas Dandala é negro, mas seu partido é formado por pessoas com impecáveis credenciais antiapartheid."Esta eleição é tão importante quanto a de 1994 [que encerrou o apartheid]. É uma segunda transição política", afirma Justin Sylvester, analista do Instituto para a Democracia na África do Sul. A comparação pode ser exagerada, mas essa é uma eleição como nenhuma outra na história sul-africana. Mandela, hoje com 90 anos, apoia Zuma, e é esperado hoje num comício do candidato em Johanesburgo. (FÁBIO ZANINI)
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo