domingo, 5 de abril de 2009

Censo étnico divide opiniões na França

Governo Sarkozy propõe mudar lei que impede classificação por etnia; para críticos, medida fere preceito da igualdadePresidente argumenta que alteração permitirá medir diversidade social e efeito do preconceito; opositores temem passado europeuRAFAEL CARIELLODA REPORTAGEM LOCAL Embora não tenha ainda uma proposta exata sobre como fazê-lo, o governo Nicolas Sarkozy pretende introduzir modificações em uma lei francesa que proíbe perguntas sobre origem étnica, cor da pele e religião em censos e pesquisas públicas nacionais.O objetivo da legislação a ser modificada, cuja versão atual data do final dos anos 70, é garantir o princípio republicano de igualdade perante o Estado e a lei, além de evitar qualquer possibilidade de classificação de grupos minoritários a partir de estatísticas oficiais.Sarkozy afirma, no entanto, que a mudança é necessária para que a França seja capaz de "medir a diversidade da sociedade" e os efeitos sociais do preconceito étnico no país, e que só pode fazer isso permitindo que os entrevistados declarem, de algum modo, sua origem -e os efeitos que experimentam, na procura de trabalho ou na relação com a polícia, por exemplo, por causa disso.Uma equipe comandada por Yazid Sabeg, "comissário da diversidade" no governo, estuda há 15 dias modelos para coletar estatísticas oficiais sobre o tema. Sabeg anunciou, no início de março, que pretende apresentar uma lei, baseada nos resultados da comissão, que permita ao governo fazer as perguntas necessárias sobre origem e preconceito no país.A França é um país com grandes levas recentes de imigrantes, além de outras, ao longo do século 20, de moradores de ex-colônias, e portanto crescentemente multicultural.Os que se opõem às medidas dizem que elas ferem o princípio fundamental da sociedade e do Estado francês, de igualdade perante a lei independente de origem, credo ou cor. O grupo SOS Racisme, de apoio a imigrantes, reunia até a noite de sexta 109 mil pessoas num abaixo-assinado na internet contra a "estatística étnica".PrecedenteGrupos como esse argumentam também que exemplos passados da história europeia, como censos que serviram para a discriminação e perseguição de judeus, evocam os riscos que tais pesquisas trazem. Há ainda ideias identitárias que opõem o republicanismo francês ao "comunitarismo" multicultural anglo-americano. "A França não deve se converter num mosaico de comunidades", declarou uma integrante do governo Sarkozy, Fadela Amara, ministra de Assuntos Urbanos."De fato, historicamente, os europeus temem que pesquisas desse tipo possam reforçar o estigma sobre alguns grupos", diz o historiador Manolo Florentino, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Ele, no entanto, vê nesse tipo de enquete um instrumento de pesquisa social necessário -como no caso brasileiro, em que a autodeclaração de cor em levantamentos do IBGE permite medir diferenças de renda média entre negros e brancos."Esse é um debate típico de uma situação multicultural recente", explica, argumentando que outros países europeus já fizeram o caminho que levou de uma ideia mais ou menos homogênea de nacionalidade, em que perguntas desse tipo fariam menos sentido, para um multiculturalismo de fato.Para Florentino, o argumento de que a existência das pesquisas pode ferir um igualitarismo ideal da sociedade francesa é "uma posição que parece divorciada da realidade". "Não é assim que se enfrenta o multiculturalismo, que é real", diz.O também historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor na Universidade de Paris, afirma que é possível traçar uma relação entre o debate francês e as discussões no Brasil sobre cotas no ensino público para afrodescendentes, cujos opositores também levantam a bandeira dos perigos de se criar divisões artificiais numa sociedade relativamente integrada.Ele lembra que é preciso fazer uma distinção: a sociedade brasileira nunca se aproximou de um modelo de fato meritocrático e republicano.Obviamente sensível aos traumas europeus com classificações étnicas, o comissário da diversidade francês declara que uma coisa é certa: ninguém será obrigado a se classificar. As pesquisas serão baseadas, diz Sabeg, em princípios de autodeclaração, liberdade de participação e anonimato.Para a antropóloga Lilia Schwarcz, professora da USP, "o grande problema" é a forma que essa pesquisa pode vir a ter. "Como se mede o grau de etnicidade e raça sem introduzir a ideia de que os homens são diferentes?", pergunta. "Em princípio, não sou contra pesquisas, até porque isso seria uma forma de obscurantismo, mas fico preocupada com a sua forma de aplicação e de análise. Não digo que não funcionem, mas também não são mágicas."

São Paulo, domingo, 05 de abril de 2009. Folha de São Paulo.Mundo

sexta-feira, 3 de abril de 2009

"Eu adoro esse cara", diz Obama para Lula

DE LONDRES
Ontem foi o dia em que o "político mais popular do planeta" se encontrou com o primeiro presidente da história dos EUA que, "se você encontra na Bahia, acha que é baiano": "O Obama tem a cara da gente". Num vídeo que correu a internet e foi muito comemorado pelo governo brasileiro, o presidente dos EUA, Barack Obama, afirmou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Meu chapa" ("my man"), eu adoro esse cara!". "É o político mais popular da Terra." Observando a conversa, o primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, emendou: "É o político há muito tempo no cargo mais popular da Terra". E Obama conclui: "É porque ele é boa-pinta", disse o americano, como se falasse com um amigo numa quadra de basquete de Chicago. A adulação do político mais adulado dos últimos tempos deixou Lula feliz da vida. De excelente humor e cheio de piadinhas em entrevista de meia hora na Embaixada do Brasil em Londres, o presidente agradeceu ao "gesto de gentileza" e deu a receita: "Eu trato as pessoas muito bem, eu gosto de ser companheiro". O brasileiro chegou perto de dizer que era torcedor de Obama desde criancinha: "Torço para ele desde quando ele era [pré-candidato] democrata [nas eleições primárias] e enfrentava a Hillary [Clinton], depois contra o [republicano John] McCain", disse Lula -ele mesmo avesso a prévias. O presidente também foi todo elogios à "humildade" do colega americano, sem discussão o homem mais poderoso do planeta: "Você acha que é fácil um americano dizer isso?", disse Lula, contando que Obama falou que era "o mais novo" e estava ali "para aprender". Lula se torna um dos poucos líderes do planeta a poder dizer que teve uma boa relação tanto com o republicano George W. Bush como com Obama. A ponto de poder falar para o democrata que "o pepino que você tem para descascar é infinitamente maior do que o meu". O vídeo com Obama é o maior sucesso de marketing de uma longa campanha para ampliar a presença do Brasil no cenário internacional, que conseguiu alguns resultados positivos nas últimas semanas. A comitiva do presidente fez questão de que os jornalistas que acompanham a visita soubessem logo da cena. Em todos os eventos de que participou em Londres, Lula ficou sempre muito bem posicionado. Na recepção com a rainha Elizabeth 2ª, uma das melhores oportunidades de foto de toda a viagem, o presidente ficou ao lado da soberana. A explicação oficial é que o brasileiro era o líder havia mais tempo no cargo (seis anos). Em entrevista recente, o premiê britânico, Gordon Brown, chegou a dizer que Lula era encarado como uma espécie de "porta-voz dos países pobres do mundo". Como mostrou a cena de ontem, com Obama o brasileiro também se ajeitou. Na mídia internacional, a visão geral também é favorável a Lula, que em 2005 chegou a sentir a ameaça de processo de impeachment por conta do escândalo do mensalão. Há alguns dias, o "Guardian", principal jornal liberal do Reino Unido, publicou reportagem em que elogiava o brasileiro por se preocupar com a baixa emissão de carbono, por ter viajado de Paris a Londres de trem, e não de avião, como a maioria dos seus colegas. Nem menção à notícia de que o brasileiro tinha usado antes seu Aerolula para ir a Santiago, a Doha e a Paris. Tampouco ao fato de que o avião mesmo assim viajou para Londres, para levar o presidente de volta ao Brasil, hoje à tarde. (PEDRO DIAS LEITE) Folha OnlineVeja o vídeo em que Obama diz que Lula é o político mais popular da Terra
São Paulo, sexta-feira, 03 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Dinheiro.