segunda-feira, 20 de abril de 2009

Dissertação de mestrado realizado na USP aponta papel educativo do jornal Ìrohìn


Pesquisa mostrou como o Jornal Ìrohìn contribui efetivamente para a informação e formação da comunidade afro-descendente brasileira, desvelando o racismo que fica encoberto pela mídia tradicional.

Num país onde os monopólios midiáticos dão o tom de toda a cobertura jornalística, jornais produzidos e editados com temática específica do negro são cada vez mais importantes do ponto de vista educativo, pois atuam efetivamente na visibilidade de temas e no combate a preconceitos.
Essa é uma das conclusões da dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) sob o título Jornal Ìrohìn: estudo de caso sobre a relevância educativa do papel da imprensa negra no combate ao racismo (1996-2006). A tese defendida pelo sociólogo Ariovaldo Lima Junior, foi apresentada na última segunda-feira, dia 16 de março.
De acordo com o autor da dissertação, na medida em que o Jornal Ìrohìn traz o pensamento de intelectuais negros, por meio de artigos e entrevistas que não aparecem na cultura de massa em geral, o Jornal cumpre um papel pedagógico importante. “Nós temos o esforço de reunir essa produção negra para consulta, mas ela ainda é sofrível no Brasil. E nesse sentido, o Ìrohìn traz matérias do passado e do presente. Então ele é importante do ponto de vista pedagógico”, destacou Lima.

Para Sueli Carneiro, professora doutora em Educação e membro da Geledés (Instituto da Mulher Negra), o fato de as pesquisas realizadas na Universidade de São Paulo, incorporarem temas e objetos como o Jornal Ìrohìn, é fundamental para desvelar saberes que são invisibilizados pela grande mídia e pelos meios de comunicação em geral. “Acredito que ao se abrir para pensar temas como esse, a universidade cumpre um dever da sua missão pública que é de incorporar temas de relevância para a população brasileira em geral, e, no caso do Ìrohìn pela abrangência que tem ao recortar o universo dos negros, sistematicamente silenciado”, diz.
Além disso, a dissertação, que pelo tema pesquisado poderia ter sido defendida nos cursos de comunicação ou história, foi realizada na Faculdade de Educação, o que garante uma especificidade na forma de abordagem do objeto. Para o professor doutor em educação, Rafael dos Santos, da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), que fez parte da banca examinadora, “a importância de defender na Faculdade de Educação é de mostrar que a construção de conhecimentos fora da escola pode contribuir para produção de conhecimento dentro dela, e mostrar que educação se dá em todos os espaços”, disse. Segundo ele, a escola é o meio educativo convencionalmente instituído e é importante que as minorias tenham acesso à escola, onde o conhecimento é legitimado. Por outro lado, “existem outros mecanismos de produzir saberes que precisam ser valorizados”, ressaltou ao falar do Ìrohìn.
De fato, um dos pontos levantados durante o caloroso debate da defesa da dissertação foi a invisibilidade do tema nas coberturas jornalísticas em geral, ainda que haja uma demanda cada vez maior por publicações voltadas ao publico negro. Para Sueli Carneiro, a mídia brasileira ainda está calcada numa visão branca e eurocêntrica, sendo essa a visão hegemônica na maior parte das coberturas. Enquanto isso, “existe uma demanda que não é atendida. Há nichos editoriais que não são atendidos e a nossa gente está revelando isso, buscando criar canais de opinião, de reflexão, de entretenimento, de moda, de beleza, que dêem conta do universo negro”, ressaltou.
Desafios Assim como qualquer pesquisa acadêmica, existem desafios e dificuldades encontradas, tanto do ponto de vista metodológico, quanto do ponto de vista da abordagem do objeto que são intrínsecas ao processo. No entanto, no caso desta pesquisa em específico, outras dificuldades e desafios precisaram ser transpostos. A professora doutora em Educação, Roseli Fischman, que orientou todo o trabalho, apontou a carga histórica que pesa sobre os ombros dos estudantes negros, como um dos mais difíceis desafios. “Eu tenho orientado muitos estudantes negros e existe uma coisa que é permanente com todas essas pessoas, que é o fato de pesar uma carga histórica muito grande”, disse.
Segundo a professora, isso vem diminuído nos últimos 15 anos, mas ela ainda vê diferenças na orientação prestada aos estudantes negros em relação aos estudantes brancos e de outras etnias.
“No caso dos negros existe essa carga adicional, uma carga histórica, como que uma sentença proferida de que “Não vencerás!””, afirma. “Isso se torna pra mim uma questão filosófica é como aquela imagem que vem a cabeça em Entre o passado e o futuro, de Hannah Arendt: como se houvesse um passado empurrando, que quer que chegue logo o futuro e o futuro que também eima em não chegar, que resiste. A pessoa fica no meio [...] tudo que a pessoa gostaria era de sair e olhar de cima, deixar que passado e futuro se resolvessem. Mas não é assim que acontece”, completa.
Outras dificuldades encontradas ao longo da pesquisa foi o fato se encontrar pouquíssima bibliografia escrita sobre imprensa negra. “Existe uma tese ou outra, mas não existem fontes abundantes, modelos prévios de metodologia”, disse Roseli. “A curta vida dos outros jornais de imprensa negra acabou deixando que algumas coisas se perdessem no tempo”. Além disso, houve certa dificuldade também para se estabelecer uma estrutura, o arcabouço da pesquisa. “Mas o Ariovaldo sistematizou tudo e deu conta”.
Para Roseli, orientar um trabalho sobre o Jornal Ìrohìn além de ser uma contribuição do ponto de vista da produção acadêmica, de garantir material para pesquisas futuras, foi também uma satisfação do ponto de vista pessoal. “Acredito que o Ìrohìn é um grande exemplo de uma luta não violenta, dentro da tradição do Luther King do combate não violento. Ao invés de ir para uma briga no braço, usa essa coisa do argumento, tenta convencer”, concluiu.

19/03/2009 - 10:24:37.
Por Ana Claudia Mielki

domingo, 19 de abril de 2009

Soweto, símbolo da resistência, se divide em mansões e casas com teto de zinco

DO ENVIADO A JOHANESBURGO
Mártir da luta contra o apartheid, Chris Hani, morto em 1993 por extremistas brancos, dá nome à avenida que corta o distrito do Soweto, dividindo-o em duas metades distintas.Para o sul, está o Soweto gravado no imaginário coletivo mundial, de grandes favelas com casas de teto de zinco e chão de terra alaranjada. Para o norte, intercalado com shoppings, escolas e hospitais, há um lugar com casas de tijolo de muro alto, jardins com grama cortada e eventualmente uma BMW virando a esquina. E que também se chama Soweto.Nenhum lugar na África do Sul adquiriu o simbolismo desse distrito de 1 milhão de pessoas (na verdade, uma coleção de 87 subdistritos), ao sudoeste de Johanesburgo, na resistência à segregação racial. Nelson Mandela e o arcebispo Desmond Tutu mantêm casas ali.Nos últimos anos, Soweto perdeu muito de sua homogeneidade, embora continue sendo quase 100% habitado por negros. Diepkroof, um subdistrito, surgiu no final do apartheid para abrigar negros com alguma escolaridade. Hoje lembra um condomínio fechado.Ali vivem profissionais liberais que trabalham no centro de Johanesburgo ou em Pretoria, a capital do país, a 50 km de distância. "As pessoas pensam nesse lugar como uma área de classe alta, e não como Soweto", diz Reabetswe Mogatusi, 19, estudante universitária.Diepkroof fica no alto de uma colina, de onde se avista a Soweto tradicional, de favelas intermináveis. O governo do CNA afirma ter construído 2,7 milhões de casas populares, algumas visíveis no local.Mas nada disso chegou, por exemplo, a Mutswalete, que tem o título de subdistrito, mas pode ser chamado de favela.Há luz nas vielas de chão de terra, mas não dentro das casas. "Usamos baterias de carro para ligar um radinho ou acender uma lâmpada", diz Innocent Sithole, 26. O maior problema é o desemprego. "Os empregos que aparecem são muito ruins", diz Floyd, 25, que vende cabritos para sobreviver.Mesmo assim, não há dúvida em quem Soweto vota. "CNA: poder para as pessoas!", responde Floyd. Ele é paciente: "O estrago de 50 anos [de apartheid] não tem como ser desfeito rapidamente". (FZ)
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Eleição sul-africana coroa ciclo turbulento

Pela primeira vez desde o fim da segregação racial, liderança histórica dos negros se divide em dois partidos diferentesPaíses vizinhos seguem com atenção disputa eleitoral na potência econômica e militar que dita os rumos de boa parte do continenteDO ENVIADO ESPECIAL A JOHANESBURGO
A eleição sul-africana da próxima quarta-feira coroa quatro anos de turbulência no país. O monolito político que era o Congresso Nacional Africano (CNA), partido que liderou a luta contra o apartheid e que capturou o poder desde o fim do regime, espatifou-se em uma ácida disputa entre o ex-presidente Thabo Mbeki e o virtual futuro presidente, Jacob Zuma."Superpotência" econômica e militar africana, a África do Sul dita os rumos do continente, e por isso a eleição vem sendo acompanhada de perto pelos países vizinhos.A guerra entre Mbeki e Zuma, vencido por este, teve um componente pessoal, de dois homens que passaram as três últimas décadas rivalizando à sombra do ícone Nelson Mandela, primeiro presidente pós-apartheid.No ano passado, após Mbeki ser alijado por Zuma primeiro da liderança do partido e depois da Presidência, parte de seus aliados promoveu o primeiro racha sério desde os anos 60 no quase centenário CNA.BispoFormaram o Cope (Congresso do Povo), que lançou o bispo metodista Mvume Dandala como candidato presidencial. Pela primeira vez, o CNA não pode mais se caracterizar como o partido dos negros contra uma oposição saudosista da discriminação racial.Não apenas Dandala é negro, mas seu partido é formado por pessoas com impecáveis credenciais antiapartheid."Esta eleição é tão importante quanto a de 1994 [que encerrou o apartheid]. É uma segunda transição política", afirma Justin Sylvester, analista do Instituto para a Democracia na África do Sul. A comparação pode ser exagerada, mas essa é uma eleição como nenhuma outra na história sul-africana. Mandela, hoje com 90 anos, apoia Zuma, e é esperado hoje num comício do candidato em Johanesburgo. (FÁBIO ZANINI)
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Crise e crítica desafiam ajuda humanitária

ONU teme que recessão cause cortes orçamentários, mas muitos sustentam que dinheiro não tem trazido benefíciosAté para especialistas não ocidentais, doações de países ricos não atendem às necessidades estruturais das nações empobrecidas,
PAULA ADAMO IDOETA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A crise econômica global lançará à pobreza 53 milhões de pessoas neste ano, segundo a ONU, previsão que motivou um pedido do secretário-geral do órgão, Ban Ki-moon, no último dia 2, para que os países do G20 se comprometam a não reduzir o financiamento às causas humanitárias globais.Mas, na contramão dos pedidos de Ban, crescem as críticas a essas doações. Se antes analistas ocidentais já questionaram a eficácia da ajuda internacional a nações pobres, agora especialistas de algumas das próprias regiões auxiliadas argumentam que o dinheiro não tem trazido resultados."Por que os governos [ajudados] escutariam seus próprios cidadãos, se sua sustentação vem de fora? Muito do dinheiro que recebem é usado para aumentar a burocracia governamental, limitando o empreendedorismo e sua competitividade", disse à Folha Iqbal Quadir, bengalês-americano diretor do Centro Legatum para Desenvolvimento e Empreendedorismo, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, que há poucos dias abordou o tema em artigo no "Wall Street Journal".Para a indiana Anuradha Mittal, especialista em agricultura do californiano Oakland Institute, a ajuda falha quando "não vê as necessidades estruturais dos países ajudados", disse à Folha.Mittal criticou publicamente a fundação do empresário Bill Gates por, segundo ela, tentar fomentar a agricultura no continente africano com sementes geneticamente modificadas, que geram lucros a "indústrias de biotecnologia" sem, no entanto, preocupar-se em "consultar os agricultores locais"."Isso não traz benefício a pessoas, mas a corporações. Parte da comida enviada à África vem da produção subsidiada de países ricos e chega aos mercados africanos a preços com os quais produtores locais não podem competir", opinou
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Desigualdade entre negros aumenta na África do Sul

Beneficiada por plano de ação afirmativa, nova classe média se distancia da metade da população abaixo da linha de pobreza"É a hora dos mais pobres", promete porta-voz do CNA, partido antiapartheid que deve manter maioria na eleição da próxima quartaFÁBIO ZANINIENVIADO ESPECIAL A JOHANESBURGO
O recém-inaugurado shopping Maponya, num subúrbio de maioria negra de Johanesburgo, tem lojas de grife, fontes, arquitetura modernista e, como um lembrete de que está na África do Sul, enormes estátuas de elefante na entrada. Pelos corredores, fala-se xhosa e zulu, línguas tradicionais africanas, e quase nenhum inglês ou africâner (dialeto do holandês), idiomas "brancos".Na saída, uma misteriosa fila de carros se forma. Seguranças enfiam a cabeça sem cerimônia dentro do veículo para checar se a chave está mesmo no contato ou se foi feita uma ligação direta -o que indicaria que o carro acabou de ser furtado. "Acontece muito roubo por aqui", diz um motorista.Há 15 anos, o apartheid acabou oficialmente, mas a desigualdade de renda na África do Sul continua alimentando a criminalidade. Como prova o controle estrito do shopping, a diferença é que ela hoje não assusta apenas brancos, mas também a emergente classe média negra, grande parte beneficiária das políticas de ação afirmativa do governo."Caminhamos um pouco nesses anos para que a África do Sul seja uma sociedade capitalista normal, em que o componente mais importante é o de classe, não de raça", diz Justin Sylvester, do Instituto para a Democracia na África do Sul.Mas a etnia, como o próprio analista admite, ainda domina a política sul-africana, como evidenciam as peças de propaganda da eleição geral marcada para a próxima quarta-feira, em que o partido dominante, o Congresso Nacional Africano (CNA), enfrenta pela primeira vez oposição negra. Mesmo assim, é favorito para manter hegemonia no Parlamento e eleger indiretamente seu candidato, Jacob Zuma, presidente.Desde 1994, a economia sul-africana teve crescimento real (descontada a inflação) em todos os anos. Chegou a 5% entre 2003 e 2007. Mesmo com a crise mundial, o PIB deve subir 1,3% em 2009.A mortalidade infantil e o analfabetismo caíram, mas também a expectativa de vida, puxada pela Aids e a violência urbana. A desigualdade social aumentou, e o país despencou no Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU.O governo tem resposta pronta para isso, uma promessa que se repete a cada eleição. "Até aqui, nossa democracia foi sentida pelos que têm condições de aproveitá-la. Agora, é a hora dos mais pobres", diz Lindiwe Zulu, porta-voz do CNA e ex-embaixadora no Brasil.FortalecimentoOs negros são quase 80% da população, metade abaixo da linha da pobreza. Do restante, grande parte se beneficiou do ambicioso BEE, uma sigla que hoje é tão presente no dia a dia dos sul-africanos quanto os jogos de rúgbi.Trata-se do acrônimo em inglês para Black Economic Empowerment, ou "fortalecimento econômico negro", a principal estratégia oficial do pós-apartheid para incluir o grupo outrora perseguido.Empresas são julgadas não apenas pela qualidade do serviço ou menor preço, mas também segundo sete critérios de inclusão racial, incluindo quantidade de negros proprietários da empresa, parcela de executivos negros e compromisso com treinamento profissional. Baseado nesses critérios, é estabelecida uma nota, determinante na hora de obter um contrato público, por exemplo.Nos últimos anos, uma indústria de consultoria especializada em BEE floresceu na África do Sul. Gavin Levenstein montou a sua em 2005, a EconoBEE, e fatura com sessões de treinamento para executivos que querem tirar boas notas no teste do governo. Ele ensina a melhor maneira de cumprir os rigorosos critérios de ação afirmativa."Meus clientes são desde empresas que limpam vidraças até multinacionais", diz ele, que emprega oito funcionários e tem planos de se expandir. Como a sua, há 15 outras consultorias especializadas nesse ramo atuando em Johanesburgo.O processo de certificação é uma oportunidade única para funcionários corruptos de órgãos públicos levarem vantagem, como o próprio governo admite. E o fato de vários cardeais do CNA terem ficado multimilionários após o apartheid, atuando como consultores em BEE para conglomerados, também não ajuda a dissipar a percepção de que o esquema é falho.Mas todos os candidatos à eleição de quarta, conscientes de que o BEE veio para ficar, prometem mantê-lo, após uma revisão completa e critérios mais rígidos de avaliação.
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São PAulo. Mundo