O preconceito molda a nossa capacidade de amar
Eu nunca tive uma namorada negra. Saí uma ou duas vezes com moças negras na universidade, tive um caso intenso e demorado com uma mulher negra há pouco tempo, mas nenhuma delas foi namorada, relação firme, gente se que incorpora à vida e se leva à casa da mãe. Por que razão? Um dos motivos é geográfico: desde a adolescência quase não há pessoas negras ao meu redor. Elas não estavam no colégio, não estavam na faculdade e não estão no trabalho, com raras e queridas exceções. É nesses ambientes - escola e emprego -- que se constroem relações duradouras de amor e amizade. O outro motivo é vergonhoso: racismo. Deve haver um pedaço de mim que acha mulher branca mais bacana que mulher negra, independente de beleza, inteligência ou caráter. Mesmo tendo ancestrais negros, cresci numa sociedade em que a cor, os traços e os cabelos africanos são tratados como defeito. É difícil livrar-se desse lixo. Ando pensando sobre essas coisas desde que tive uma discussão, dias atrás, com meu melhor amigo, sobre cotas raciais na universidade. Ele contra, eu a favor. Ele defende cotas econômicas, para jovens pobres oriundos das escolas públicas. Eu sinto que isso não é suficiente. Acredito que os negros têm sido sistematicamente prejudicados ao longo da história brasileira e fazem jus a políticas e tratamento preferenciais.
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Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido. Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem generosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós. Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.
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Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido. Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem generosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós. Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25