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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Casa onde foi fundada a umbanda, em São Gonçalo, será demolida esta semana



Memória prestes a virar pó: casa dará lugar à loja e depósito Foto: Roberto Moreyra / Extra
Thamyres Dias
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A estrutura metálica já está pronta para receber o telhado do novo galpão que vai ocupar o número 30 da Rua Floriano Peixoto, em Neves, São Gonçalo. Dentro do terreno, uma casinha centenária aguarda a demolição marcada, segundo o proprietário, ainda para esta semana. Poderia ser uma simples obra, não fosse um detalhe: a casa rosa, com a pintura já castigada pelos anos, é a última testemunha do nascimento da umbanda.
Foi no imóvel — que ocupava o centro de uma chácara, no início do século 20 —, que Zélio Fernandino de Moraes, então com 17 anos, dirigiu a primeira sessão da religião. Era 16 de novembro de 1908. A umbanda é a única manifestação religiosa 100% brasileira.
— A demolição nos deixa muito decepcionados, pois perdemos uma referência da chegada da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas — diz Pedro Miranda, presidente da União Espiritista de Umbanda do Brasil, em referência à entidade que orientou Zélio a fundar a religião.
Espíritos tristes
A notícia também surpeendeu a mãe de santo Lucília Guimarães, do terreiro do Pai Maneco, em Curitiba, Paraná. Na década de 1990, ela veio ao Rio para pesquisar as origens da religião.
— Imagino que até os espíritos estejam tristes. É uma pena — lamenta ela.
Há mais de cem anos com a família de Zélio, o imóvel onde surgiu a umbanda foi vendido recentemente para o militar Wanderley da Silva, de 65 anos, que pretende transformar o local em um depósito e uma loja.
— Eu nunca soube que a casa tinha essa história. Mas agora já comprei, investi, não posso deixar de demolir — explica-se.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), nunca houve um pedido de tombamento do imóvel. A antiga casa de Zélio também não é protegida pelo governo estadual ou pela Prefeitura de São Gonçalo.
De acordo com a última avaliação do IBGE, feita no Censo 2000, o Brasil tem quase 400 mil umbandistas. A religião está em todos os estados do país e também no Uruguai, Paraguai, Argentina, Portugal, Espanha e Japão.
‘Tudo acabou’
O terreiro de Zélio de Moraes — que recebeu o nome de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade — funcionou por pouco anos em São Gonçalo. Os primeiros umbandistas mudaram-se logo para o Rio de Janeiro.
Primeiro, o centro funcionou na Rua Borja Castro, na Praça Quinze. A rua foi extinta, na década de 1950, para a construção da Perimetral. Dali, foram para a Avenida Presidente Vargas. O imóvel também foi demolido, dessa vez para dar lugar ao Terminal Rodoviário da Central do Brasil.
Uma nova mudança e mais uma demolição. A casa 59 da Rua Dom Gerardo, em frente ao mosteiro de São Bento, virou um estacionamento.
— Tudo acabou, eram prédios muito antigos. Lamento que o último registro também vai desaparecer. Mas o mais importante é que os ensinamentos do meu avô se perpetuem — pediu a neta de Zélio, Lygia Cunha, que hoje preside a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. O terreiro agora funciona em uma sede própria, em Cachoeiras de Macacu, no interior do estado.
Capela de São Pedro
Antes de ser vendida, a casa onde nasceu a Umbanda abrigou uma capela católica. A última moradora do imóvel, uma descendente de Zélio que é muito católica, cedeu o espaço para os devotos. Quem administra a igrejinha — que também mudou de endereço — é dona Geraldina dos Santos, de 74 anos.
— Não tenho preconceito, não. Todos somos filhos de Deus. Se a religião nasceu lá, a casa devia ser preservada. É importante — disse.

domingo, 2 de outubro de 2011

Polêmica sobre religião na TV tem novo capítulo


Senadores querem anular suspensão da transmissão de programas da Igreja

POR GABRIELA MOREIRA
Rio - A decisão do Conselho Curador da Empresa  Brasil de Comunicação (EBC) de suspender os programas religiosos na TV Brasil e em nove rádios oficiais ganhou na última sexta-feira opositores no Congresso. Os senadores Marcelo Crivella (PR), Lindbergh Farias (PT) e Edison Lobão (PMDB) entraram com Projeto de Decreto Legislativo para anular o ato da EBC. A previsão é que o pedido seja votado em regime de urgência, pelos demais senadores, em cerca de 10 dias.

A luta para anulação da resolução (02/2011) já contava com ações contrárias por parte das igrejas Católica e Batista, que mantém há pelo menos três décadas programas religiosos na grade da hoje chamada TV Brasil

“A laicidade do Estado não significa postura antirreligiosa”, disse Lindbergh, acompanhado pelo colega de Senado Marcelo Crivella. “O Conselho se equivocou com a premissa de que os programas deveriam representar a diversidade. Eles não têm de interferir no conteúdo. Querem ensinar padre a rezar missa?”, questionou. 

Diretor jurídico da EBC, Marco Fioravante, explica que o Conselho decidiu pela suspensão dos cultos, missas e demais programas em nome da pluralidade religiosa. 

“A proposta era que as igrejas apresentassem uma proposta de programa em que todas as religiões fossem incluídas”, afirmou o diretor, que na última semana ingressou com um agravo de instrumento no Tribunal Regional Federal de Brasília, pedindo a anulação da suspensão da resolução, conseguida pelas igrejas. 

Sobre a proposta de programa único, o representante de Comunicação da Arquidiocese do Rio, padre Marcos William, é enfático:  “Eles propõem um programa com todas as religiões, que tenha uma visão jornalística. Isso é muito diferente do que acontece hoje, que é o culto, a missa, ou seja, a celebração de cada religião. É essa liberdade de expressão religiosa que queremos manter”. 

Celebração levada a idosos, doentes e presos

Embora discorde da resolução, o reverendo Guilhermino Cunha, presidente do Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, concorda com a EBC na proposta de maior pluralidade. “Não se pode dar privilégios a uma ou outra”, disse o reverendo. Mas ele complementa: “Da forma como foi apresentada, vai contra a liberdade religiosa, prevista na Constituição”, defendeu o presbítero, cuja opinião é compartilhada por padre Dionel Amaral, responsável pela transmissão da Santa Missa, aos domingos, há pelo menos 20 anos. “Nós e as outras religiões não podemos deixar de levar a palavra aos impedidos de ir à Igreja ou templo, como enfermos, idosos e presos”.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

"A liberdade religiosa está ameaçada no país"

Antropóloga afirma que o Estado está sendo questionado na Justiça por tentar privilegiar o ensino católico nas escolas públicas e que livros didáticos associam os ateus aos nazistas

Solange Azevedo
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ESPECIALISTA
Debora desenvolve pesquisas sobre laicidade e direitos humanos
O trabalho da antropóloga e documentarista carioca Debora Diniz tem si­do amplamente reconhecido mundo afora. Aos 41 anos, ela já recebeu 78 prêmios por sua atua­ção como pesquisadora e cineasta. Professora da Universidade de Brasília, Debora é autora de oito livros. O último deles – “Laicidade e En­sino Religioso no Brasil” – trata de uma discussão que está emergindo no País e deverá ser motivo de debates acalorados no Supremo Tribunal Federal. “Além de a lei do Rio de Janeiro sobre o ensino religioso nas escolas públicas estar sendo contestada no Supremo, há uma ação da Procuradoria-Geral da República contra a concordata Brasil-Vaticano, assinada pelo presidente Lula em 2008”, lembra Debora. “Um artigo da concordata prevê que o ensino religioso no País seja, necessariamente, católico e confessional. Isso é inconstitucional.”
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"O acordo Brasil-Vaticano prevê que o ensino religioso
seja, necessariamente, católico e confessional"
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"A criminalização da homofobia incomoda comunidades religiosas
porque resultará em restrição de liberdade de expressão"
ISTOÉ -
O ensino religioso nas escolas públicas, num Estado laico como o Brasil, é legítimo? 
DEBORA DINIZ -
Sim e não. Sim porque está previsto pela Constituição. E não quando se trata da coerência com o pacto político. Chamo de coerência a harmonia com os outros princípios constitucionais: da liberdade e do pluralismo religiosos e da separação entre o Estado e as igrejas. Falsamente, se pressupõe que religião seria um conteúdo necessário para a formação da cidadania. 
ISTOÉ -
O pluralismo religioso é respeitado nas escolas públicas? 
DEBORA DINIZ -
Não. A Lei de Diretrizes e Bases delega aos Estados o poder sobre a definição dos conteúdos e quem são os professores habilitados. Isso não acontece com nenhuma outra matriz disciplinar no País. A LDB diz que o ensino religioso não pode ser proselitista. Apesar disso, legislações de vários Estados – como a do Rio de Janeiro – afirmam que tem de ser confessional. Determinam que seja católico, evangélico. 
ISTOÉ -
As escolas viraram igrejas? 
DEBORA DINIZ -
As aulas de ensino religioso, obrigatórias nas escolas públicas, se transformaram num espaço permeável ao proselitismo. Não é possível a oferta do ensino religioso confessional sem ser proselitista. Se formos para o sentido dicionarizado da palavra proselitismo, é professar um ato de fé. É a catequização. O proselitismo é um direito das reli­giões. Mas isso pode ocorrer na escola pública? A LDB diz que não. 
ISTOÉ -
É possível haver ensino religioso sem ser proselitista? 
DEBORA DINIZ -
É. A resposta de São Paulo foi defini-lo como a história, a filosofia e a sociologia das religiões. 
ISTOÉ -
São Paulo seria o melhor exemplo de ensino religioso no País? 
DEBORA DINIZ -
No que diz respeito ao decreto estadual, segundo o qual o ensino não deve ser confessional, sim. Mas se é o melhor exemplo na sala de aula, não temos pesquisas no Brasil para afirmar isso. A LDB diz que a matrícula é facultativa. Então, também devemos perguntar: o que a criança faz quando não está na aula de religião? 
ISTOÉ -
O ensino religioso, da forma como está configurado, é uma ameaça à liberdade religiosa? 
DEBORA DINIZ -
É. Quanto mais confessional for a regulamentação dos Estados, quanto mais os concursos públicos forem como o do Rio – em que o indivíduo tem de apresentar um atestado da comunidade religiosa a que pertence e, caso mude de religião, perde o concurso –, maior é a ameaça. A liberdade religiosa está ameaçada no País e a justiça religiosa também. 
ISTOÉ -
Há uma tentativa de privilegiar uma ou outra religião? 
DEBORA DINIZ -
Quase todos os Estados se apropriam do que aconteceu no Rio, nominando as religiões dos professores. No Ceará, por exemplo, o professor tem de ter formação em escolas teológicas. Mas religiões afro-brasileiras não têm a composição de uma teologia formal. Essa exigência privilegia os católicos e os protestantes. 
ISTOÉ -
Por que o MEC não define o conteúdo do ensino religioso? 
DEBORA DINIZ -
Há uma falsa compreensão de que o fenômeno religioso é um saber para iniciados, e não para especialistas laicos. Também há um equívoco sobre o que define o pacto político num Estado laico. O fenômeno religioso não é anterior ao fato político. Religião não pode ter um status que não se subordine ao acordo constitucional e legislativo. Isso é verdade em algumas coisas, tanto que o discurso do ódio não é autorizado. O debate sobre a criminalização da homofobia causa tanto incômodo às comunidades religiosas porque resultará em restrição de liberdade de expressão. Não se poderá dizer que ser gay é grave perversão, como algumas fazem atualmente. 
ISTOÉ -
Os livros didáticos dizem... 
DEBORA DINIZ -
Dizem porque há essa lacuna de regulação e de fiscalização. Há uma subordinação do nosso pacto político ao fato religioso. O que é um equívoco. Também há uma falsa presunção de que o saber religioso não possa ser revisado. O MEC tem um painel em que todas as controvérsias científicas são avaliadas por uma equipe que diz o que pode e o que não pode entrar nos livros didáticos. A despeito de pequenas comunidades no campo da biologia dizerem que criacionismo é uma teoria legítima sobre a origem do mundo, o filtro do MEC diz que criacionismo não é ciência. Por que, então, o MEC não define o que pode entrar nos livros de ensino religioso e os parâmetros curriculares? 
ISTOÉ -
O que os livros didáticos de religião pregam? 
DEBORA DINIZ -
Avaliamos 25 livros didáticos de editoras religiosas e das que têm os maiores números de obras aprovadas pelo MEC para outras disciplinas. Expressões e valores cristãos estão presentes em 65% deles. Expressões da diversidade cultural e religiosa brasileira, como religiões indígenas ou afro-brasileiras, não alcançam 5%. Muitas tratam questões como a homofobia e a discriminação contra crianças deficientes de uma maneira que, se fossem submetidas ao crivo do MEC, seriam reprovadas. A retórica sobre os deficientes é a pior possível. A representação simbólica é de quem é curado, alguém que é objeto da piedade, que deixa de ser leproso e de ser cego. É a do cadeirante dizendo obrigado, num lugar de subalternidade. 
ISTOÉ -
A submissão ao sagrado é estimulada? 
DEBORA DINIZ -
É uma submissão ao sagrado, à confessionalidade. Mas a confessionalidade não se confunde com o sagrado. O sentido do sagrado pode ser explicado. No caso do “Alcorão”, é possível explicar que a escrita tem relação com a história do islamismo. Não precisamos de livros que violem o sagrado, que digam que Maria não era virgem. Mas eles não precisam se submeter à confessionalidade, dizer que há só uma verdade. 
ISTOÉ -
Há um estímulo ao preconceito e à intolerância nos livros? 
DEBORA DINIZ -
Sem dúvida. Há a expressão da intolerância à diversidade – das pessoas com deficiência, da diversidade sexual e religiosa, das minorias étnicas. Há, também, uma certa ironia com as religiões neopentecostais. 
ISTOÉ -
A ideia da supremacia moral dos que têm religião é defendida? 
DEBORA DINIZ -
É. Há equívocos históricos e filosóficos, como a associação de ­Nie­tz­s­che ao nazismo. As pessoas sem Deus são representadas como uma ameaça à própria ideia do humanismo. É muito grave a representação dos ateus. Isso pode gerar desconforto entre as crianças cujas famílias não professem nenhuma religião. Já que, nos livros, elas estão representadas como aquelas que mataram Deus e associadas simbolicamente a coisas terríveis, como o nazismo. 
ISTOÉ -
As aulas facultativas podem se tornar uma armadilha? 
DEBORA DINIZ -
Sem dúvida. A criança terá de explicar suas crenças, o que deveria ser matéria de ética privada. Pior: ao sair da aula com um livro como esse, as crianças talvez tenham de explicar por que não têm Deus. 


ISTOÉ -
Não há reflexões históricas sobre o significado das religiões? 
DEBORA DINIZ -
Nenhuma. Há uma enorme dificuldade de nominar as comunidades indígenas como possível religião. Elas possuem tradições e práticas religiosas ou magia. No caso das afro-brasileiras, também se fala em tradição. 
ISTOÉ -
O que levou o Estado a proteger o ensino religioso na Constituição? 
DEBORA DINIZ -
Foi uma concessão a comunidades religiosas numa disputa sobre o lugar de Deus e da religiosidade na Constituição. A religião foi mantida no que caracterizaria a vida boa e a formação da cidadania. Isso é um equívoco. A religião pode ser protegida pelo Estado, mas não no espaço de promoção da cidadania que é a escola. 
ISTOÉ -
O ensino religioso está ganhando ou perdendo espaço no mundo? 
DEBORA DINIZ -
Essa é uma controvérsia permanente. Nos Estados Unidos, um país bastante religioso, não está na escola pública. Na França, o país mais laico do mundo, também não. Exceto na região da Alsácia-Mosele. Na Bélgica e no Reino Unido está. Esses países hoje enfrentam com muita delicadeza a islamização de suas sociedades. Na Alemanha, grupos islâmicos já começaram a exigir o ensino de sua religião nas escolas públicas. 
ISTOÉ -
Mas na França também há o outro lado, de proibirem vestimentas... 
DEBORA DINIZ -
Esse é o paradoxo que a França enfrenta neste momento, sobre como respeitar o modelo da neutralidade. A lei do país proíbe símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas – cruz grande, solidéu, véu. O que o outro lado vai dizer? Que isso viola um princípio fundamental, que é a expressão das crenças individuais estar no próprio corpo. 
ISTOÉ -
Quais são os desafios do ensino religioso no Brasil? 
DEBORA DINIZ -
São gigantescos e podem ser divididos em três esferas. Uma é a esfera legal. O ensino religioso está sob contestação nos foros formais do Estado: no Supremo, no MEC e no Ministério Público Federal. Além de a lei do Rio de Janeiro estar sendo contestada no Supremo, há uma ação da Procuradoria-Geral da República contra a concordata Brasil-Vaticano, assinada pelo presidente Lula em 2008. 
ISTOÉ -
E do que trata esta ação? 
DEBORA DINIZ -
Um artigo da concordata prevê que o ensino religioso na escola pública seja, necessariamente, católico e confessional. Isso é inconstitucional. Estamos falando da estrutura da democracia. Segundo o ministro Celso de Mello, em toda a história do Supremo, só tínhamos tido uma ação que tocava na questão da laicidade do Estado. Isso foi nos anos 40. Agora, temos pelo menos duas. A segunda esfera é como o ensino religioso pode ou não pode ser implementado. O MEC precisa definir quem serão os professores, como serão habilitados e quais conteúdos serão ensinados. A terceira esfera é a sala de aula, a garantia de que vai ser um ensino facultativo e de que o proselitismo religioso será proibido.