domingo, 19 de abril de 2009

Crise e crítica desafiam ajuda humanitária

ONU teme que recessão cause cortes orçamentários, mas muitos sustentam que dinheiro não tem trazido benefíciosAté para especialistas não ocidentais, doações de países ricos não atendem às necessidades estruturais das nações empobrecidas,
PAULA ADAMO IDOETA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A crise econômica global lançará à pobreza 53 milhões de pessoas neste ano, segundo a ONU, previsão que motivou um pedido do secretário-geral do órgão, Ban Ki-moon, no último dia 2, para que os países do G20 se comprometam a não reduzir o financiamento às causas humanitárias globais.Mas, na contramão dos pedidos de Ban, crescem as críticas a essas doações. Se antes analistas ocidentais já questionaram a eficácia da ajuda internacional a nações pobres, agora especialistas de algumas das próprias regiões auxiliadas argumentam que o dinheiro não tem trazido resultados."Por que os governos [ajudados] escutariam seus próprios cidadãos, se sua sustentação vem de fora? Muito do dinheiro que recebem é usado para aumentar a burocracia governamental, limitando o empreendedorismo e sua competitividade", disse à Folha Iqbal Quadir, bengalês-americano diretor do Centro Legatum para Desenvolvimento e Empreendedorismo, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, que há poucos dias abordou o tema em artigo no "Wall Street Journal".Para a indiana Anuradha Mittal, especialista em agricultura do californiano Oakland Institute, a ajuda falha quando "não vê as necessidades estruturais dos países ajudados", disse à Folha.Mittal criticou publicamente a fundação do empresário Bill Gates por, segundo ela, tentar fomentar a agricultura no continente africano com sementes geneticamente modificadas, que geram lucros a "indústrias de biotecnologia" sem, no entanto, preocupar-se em "consultar os agricultores locais"."Isso não traz benefício a pessoas, mas a corporações. Parte da comida enviada à África vem da produção subsidiada de países ricos e chega aos mercados africanos a preços com os quais produtores locais não podem competir", opinou
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São Paulo. Mundo

Desigualdade entre negros aumenta na África do Sul

Beneficiada por plano de ação afirmativa, nova classe média se distancia da metade da população abaixo da linha de pobreza"É a hora dos mais pobres", promete porta-voz do CNA, partido antiapartheid que deve manter maioria na eleição da próxima quartaFÁBIO ZANINIENVIADO ESPECIAL A JOHANESBURGO
O recém-inaugurado shopping Maponya, num subúrbio de maioria negra de Johanesburgo, tem lojas de grife, fontes, arquitetura modernista e, como um lembrete de que está na África do Sul, enormes estátuas de elefante na entrada. Pelos corredores, fala-se xhosa e zulu, línguas tradicionais africanas, e quase nenhum inglês ou africâner (dialeto do holandês), idiomas "brancos".Na saída, uma misteriosa fila de carros se forma. Seguranças enfiam a cabeça sem cerimônia dentro do veículo para checar se a chave está mesmo no contato ou se foi feita uma ligação direta -o que indicaria que o carro acabou de ser furtado. "Acontece muito roubo por aqui", diz um motorista.Há 15 anos, o apartheid acabou oficialmente, mas a desigualdade de renda na África do Sul continua alimentando a criminalidade. Como prova o controle estrito do shopping, a diferença é que ela hoje não assusta apenas brancos, mas também a emergente classe média negra, grande parte beneficiária das políticas de ação afirmativa do governo."Caminhamos um pouco nesses anos para que a África do Sul seja uma sociedade capitalista normal, em que o componente mais importante é o de classe, não de raça", diz Justin Sylvester, do Instituto para a Democracia na África do Sul.Mas a etnia, como o próprio analista admite, ainda domina a política sul-africana, como evidenciam as peças de propaganda da eleição geral marcada para a próxima quarta-feira, em que o partido dominante, o Congresso Nacional Africano (CNA), enfrenta pela primeira vez oposição negra. Mesmo assim, é favorito para manter hegemonia no Parlamento e eleger indiretamente seu candidato, Jacob Zuma, presidente.Desde 1994, a economia sul-africana teve crescimento real (descontada a inflação) em todos os anos. Chegou a 5% entre 2003 e 2007. Mesmo com a crise mundial, o PIB deve subir 1,3% em 2009.A mortalidade infantil e o analfabetismo caíram, mas também a expectativa de vida, puxada pela Aids e a violência urbana. A desigualdade social aumentou, e o país despencou no Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU.O governo tem resposta pronta para isso, uma promessa que se repete a cada eleição. "Até aqui, nossa democracia foi sentida pelos que têm condições de aproveitá-la. Agora, é a hora dos mais pobres", diz Lindiwe Zulu, porta-voz do CNA e ex-embaixadora no Brasil.FortalecimentoOs negros são quase 80% da população, metade abaixo da linha da pobreza. Do restante, grande parte se beneficiou do ambicioso BEE, uma sigla que hoje é tão presente no dia a dia dos sul-africanos quanto os jogos de rúgbi.Trata-se do acrônimo em inglês para Black Economic Empowerment, ou "fortalecimento econômico negro", a principal estratégia oficial do pós-apartheid para incluir o grupo outrora perseguido.Empresas são julgadas não apenas pela qualidade do serviço ou menor preço, mas também segundo sete critérios de inclusão racial, incluindo quantidade de negros proprietários da empresa, parcela de executivos negros e compromisso com treinamento profissional. Baseado nesses critérios, é estabelecida uma nota, determinante na hora de obter um contrato público, por exemplo.Nos últimos anos, uma indústria de consultoria especializada em BEE floresceu na África do Sul. Gavin Levenstein montou a sua em 2005, a EconoBEE, e fatura com sessões de treinamento para executivos que querem tirar boas notas no teste do governo. Ele ensina a melhor maneira de cumprir os rigorosos critérios de ação afirmativa."Meus clientes são desde empresas que limpam vidraças até multinacionais", diz ele, que emprega oito funcionários e tem planos de se expandir. Como a sua, há 15 outras consultorias especializadas nesse ramo atuando em Johanesburgo.O processo de certificação é uma oportunidade única para funcionários corruptos de órgãos públicos levarem vantagem, como o próprio governo admite. E o fato de vários cardeais do CNA terem ficado multimilionários após o apartheid, atuando como consultores em BEE para conglomerados, também não ajuda a dissipar a percepção de que o esquema é falho.Mas todos os candidatos à eleição de quarta, conscientes de que o BEE veio para ficar, prometem mantê-lo, após uma revisão completa e critérios mais rígidos de avaliação.
São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009. Folha de São PAulo. Mundo

sábado, 18 de abril de 2009

Queixas a Obama marcam primeiros dias de Cúpula

Presidente americano ouve críticas sobre 'ingerência' e sobre a crise econômica.
Da BBC
Desde que chegou a Port of Spain, em Trinidad e Tobago, na sexta-feira à tarde, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já ouviu inúmeras queixas dos chefes de Estado presentes na Cúpula das Américas - de acusações sobre a "ingerência americana" em seus países até a "culpa", mais recente, pela crise financeira.

Os líderes tomaram o cuidado de não culpar especificamente o presidente americano. Mas, ainda assim, Obama teve de ouvir um apanhado de críticas à "postura histórica" dos Estados Unidos em relação à América Latina.

A artilharia de críticas começou com a presidente da Argentina, Cristina Kirschner, na abertura do evento. Segundo ela, a relação dos Estados Unidos com a América Latina foi, durante décadas, "traumática", o que resultou em "ditaduras" e "intervenções militares".

"Quero dizer ao presidente Obama que de maneira nenhuma isso significa uma crítica a ele. Mas sim um exercício de compreensão das coisas pelas quais temos passado", disse.

Cristina arrancou os primeiros aplausos da plateia quando classificou de "paradoxo" a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Logo em seguida foi a vez de o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, tecer uma série de acusações ao governo americano. Em um discurso de quase uma hora, Ortega descreveu com detalhes a "ingerência" dos Estados Unidos sobre o processo político da Nicarágua na década de 80.

Ortega também levantou a questão cubana. "Tenho vergonha de estar aqui nessa cúpula sem a presença de Cuba", disse. Mas acrescentou que o presidente Obama "obviamente não tinha culpa, já que tinha apenas três meses na época da Revolução Cubana".

Lula
Apesar das acusações aos Estados Unidos, Obama reagiu com presença de espírito. "Fico feliz que o presidente Ortega não me culpe por coisas que aconteceram quando eu tinha três meses de idade", disse, descontraindo a plateia.

A avaliação geral na Cúpula é de que o líder americano soube contornar "muito bem" as cobranças. "Ele de forma alguma parece constrangido", disse um funcionário da OEA.

Pela manhã, Obama esteve reunido com os 12 chefes de Estado que formam a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos temas foi a crise econômica. O presidente Lula, por exemplo, sugeriu que os Estados Unidos ampliassem a ajuda financeira aos países mais pobres da região.

De acordo com o chanceler Celso Amorim, que acompanhou o encontro, o clima da reunião foi "bastante cordial".

Mesmo com as intervenções do presidente venezuelano Hugo Chávez, que cobrou "mudanças" no comportamento da administração americana, a avaliação de Amorim é de que "não houve constrangimentos".

"O presidente Obama é, obviamente, um excelente político e tem uma característica que é uma grande capacidade de ouvir e refletir sobre o que ouve", disse o chanceler brasileiro.

Em seu discurso de abertura, Obama sugeriu que os líderes do hemisfério "olhassem para o futuro" e que não ficassem presos a "desavenças do passado".

"Com frequência, a oportunidade de se construir uma nova parceria nas Américas é prejudicada por discussões ultrapassadas", disse o presidente americano.
Chávez
Já as críticas de Chávez aos Estados Unidos foram menos contundentes do que se esperava.

Segundo a Agência Bolivariana de Notícias (ABN), o presidente da Venezuela disse que os Estados Unidos devem "romper com essa concepção que somos seu quintal".

No entanto, o líder venezuelano elogiou a postura de Obama durante os encontros na Cúpula. Segundo ele, o presidente americano teria se mostrado "interessado" nas palavras dos outros chefes de Estado, que apresentaram suas "inquietudes".

"Que bom que Obama tenha tomado nota e que responda a algumas de nossas interrogações", disse Chávez.

A postura amistosa de Chávez em relação a Obama foi considerada uma surpresa. A foto dos dois líderes se cumprimentando, na abertura a Cúpula, foi estampada no portal do governo venezuelano, sob o título "cumprimento histórico entre presidentes Obama e Chávez".

18/04/09 - 20h54 - Atualizado em 18/04/09 - 20h5

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Brasil apóia texto base e tentará convencer EUA a participar da conferência

A indicação da delegação governamental do Brasil para a relatoria da Conferência de Revisão de Durban foi aceita pela mesa diretora do comitê de preparação da reunião, que será realizada na próxima semana, em Genebra, na sede das Nações Unidas (ONU).
O relator será o brasileiro Iradj Roberto Eghrari, diretor-executivo da organização não-governamental Ágere Cooperação em Advocacy e secretário nacional de ações com a sociedade e governo da Comunidade Bahá´í. Ele estará responsável pela preparação do relatório final da conferência, com os resultados das negociações finais.
“Sinto-me honrado com a indicação feita pelo governo brasileiro e tenho a certeza de que o protagonismo desempenhado pelo Brasil no campo da promoção da igualdade racial e do combate ao racismo é que dá devida legitimidade para que um representante do nosso país assuma tal tarefa”, afirma Eghrari.
Esta é a segunda vez que o Brasil ocupa a relatoria da conferência. A psicóloga e atual coordenadora da Coordenadoria da Mulher e de Igualdade Racial de Guarulhos (SP), Edna Roland, foi relatora da Conferência de Durban, na África do Sul, há oito anos.
Segundo ela, o Brasil teve um papel fundamental na preparação da atual Conferência de Revisão, o que justifica assumir o protagonismo na relatoria a partir deste momento.

Divergências sobre presidência e religião marcam preparatória de conferência

Genebra - Representantes de governos e organizações da sociedade civil trabalham para concluir até o final de semana o documento preliminar da Conferência de Revisão de Durban, que será realizada de 20 a 24 de abril, na sede das Nações Unidas (ONU), em Genebra. Durante as reuniões do comitê preparatório, as delegações tentam resolver diversos impasses.Um deles é a escolha do presidente da conferência. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, chegou a ser cotado para o cargo, mas essa possibilidade foi descartada, a seu pedido, por conta de outros compromissos assumidos e em consideração às candidaturas africanas.O governo do Quênia apresentou o nome do procurador-geral do país. A indicação recebeu uma objeção do relator especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais, Philip Alston. Os representantes europeus seguiram a objeção e também fizeram restrição à candidatura queniana.Esta semana, os países africanos rearfirmaram a indicação e pedem que sejam apresentadas as razões para a rejeição ao nome do procurador-geral. As negociações seguem nos bastidores e transformam os encontros preparatórios em reuniões fechadas.Outro impasse central seria a reivindicação dos países islâmicos de que seja estabelecido no documento base da conferência um parágrafo sobre proteção às religiões. Os europeus são contrários e defendem uma redação que proteja, na verdade, o direito dos indivíduos à religião.A disputa é em torno do texto final do parágrafo 11, que já "reconhece com profunda preocupação os estereótipos negativos de religiões que resultam na negação ou ameaça aos direitos de pessoas com elas associadas e o crescimento global no número de incidentes de intolerância racial ou religiosa".Após o 11 de setembro, as comunidades islâmicas passaram a apontar o ressurgimento da difamação religiosa, termos que os Estados Unidos e União Européia consideram inaceitável."A conferência estava bem adiantada, com as tratativas próximas de um acordo, mas na quinta-feira as posições se tornaram um pouco mais difíceis. Há uma certa resistência por parte da União Européia e dos grupos países islâmicos em aceitar uma determinada redação no que se refere à questão da difamação religiosa e de incitação ao ódio religioso. É isso que vamos tentar clarear", revela a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, delegada permanente do Brasil em Genebra.De acordo com ela, as delegações pretendem seguir logo para reuniões pequenas e informais sobre temas mais controversos, como os mecanismos de segmento da Conferência de Durban e, além disso, alguns temas do passado, como o próprio tráfico de escravos, holocausto e genocídios."Esses outros temas eu vejo com mais otimismo quanto ao resultado. O problema maior é a questão religiosa. Há um facilitador russo, que tem a partir de consultas construído um texto. Como o Brasil e os países da América Latina têm posições mais equilibradas e centradas em temas de racismo, nossas posições acabam sendo de compromisso. O Brasil tem participado fazendo a ponte entre extremos", ressalta a embaixadora.Segundo ela, caso os impasses sejam resolvidos, a presença de ministros de Estado na conferência pode ser reforçada. Os países não querem correr o risco dos ministros virem a Genebra para trabalhar a partir de um texto controverso.A tendência, no entanto, é que as delegações cheguem a um consenso, uma vez que temem o insucesso da revisão de Durban. O fracasso poderia representar a deslegitimação dos mecanismos multilaterais de ação."Eu reconheço que existem divergências legítimas de visão sobre alguns assuntos que estão em debate nesse processo de revisão de Durban. Para encontrar uma base comum nesses assuntos, necessitamos trabalhar juntos e em boa fé, com as mentes abertas e o pensamento construtivo", afirma a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navanethem Pillay.De acordo com Pillay, a luta contra a intolerância deve ser o principal interesse de todos. "O processo de negociação do documento preliminar demonstra que um acordo amplo é possível", considera a alta comissária.

Por Juliana Cézar Nunes, colaboradora do blog e integrante da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do DF (Cojira-DF)