quarta-feira, 28 de maio de 2008

Histórias de injustiça

Histórias de injustiça
27 de Junho de 2007. Esta data ficará para sempre marcada na memória do morador do Complexo do Alemão, Ivo Urbano da Silva, então com 17 anos, e de sua família. Neste dia aconteceu uma mega operação policial, que reuniu 1.350 policiais civis, militares e soldados da Força Nacional, deixando 19 mortos e 13 feridos, entre eles Ivo.
“Estava em casa fazendo almoço na cozinha. Parei para ir ao banheiro e fui atingido. Comecei a sangrar muito. Corri para o quarto com minha irmã de seis anos e ficamos deitados na cama. Na hora só torcia para minha mãe chegar logo. Fiquei com medo da polícia entrar e me ver sangrando e acabar sendo confundido com um bandido”, lembra.
Com a chegada da mãe, começou outra peregrinação; conseguir sair da favela para chegar ao hospital, já que todo o Complexo estava sob pressão policial. Ivo conta que perdeu a noção do quanto caminhou pelas ruas e becos da comunidade para fugir das balas. Mal eles sabiam que ao chegarem no “asfalto” entrariam em outro pesadelo:
“Chegamos ao ponto de ônibus e aí uma viatura nos parou dizendo que eles iam levar a gente para o hospital. Fomos para o Getúlio Vargas, na Penha, levei seis pontos no braço e já saí de lá algemado direto para delegacia”.
Mesmo sendo menor de idade, Ivo teve o nome e a imagem divulgados em diversos jornais. Ele foi acusado de estar em laje na Comunidade da Grota atirando nos policiais. Na época, estudava no Ensino Médio e fazia um curso de jardinagem no Museu da República, no Catete. Além disso, nunca teve passagem pela polícia:
“Estive em dois centros de recuperação e duas delegacias. Cheguei a ficar numa cela com mais de dez pessoas. Por diversas vezes me chamaram de marginal e insistiam para dizer que era traficante. Só pensava em sair dali logo e voltar a assistir as aulas porque estava em período de provas”.
Do lado de fora os pais de Ivo fizeram tudo o que podiam para libertar o garoto. Com ajuda de advogados da ONG
Projeto Legal, dez dias após, conseguiram libertar o jovem. Absolvido, em 22 de agosto, Ivo recebeu uma Moção de Desagravo à honra: “Nem queria ir lá pegar. É só um papel. Perdi aula, perdi curso e fui chamado de bandido, isso não recupera”.
Josicleide: acusaram meu filho injustamente
Atualmente, os pais de Ivo entraram na justiça pedindo indenização pelos danos morais e físicos sofridos. A situação abalou tanto a família que a mãe do jovem, Josicleide Urbano da Silva, 42 anos, até hoje faz acompanhamento psicológico para superar o trauma.
“Acusaram meu filho de uma coisa que ele não é. Foi muita humilhação onde ele foi julgado. Olhavam a gente com cara de nojo. Partiu meu coração ver meu filho passar de cabeça baixa, algemado. Foi a pior coisa que aconteceu na minha vida. Tive até que procurar psicólogo porque estava em tempo de explodir, com isso tudo guardado dentro de mim”, fala.
Triste surpresa
Morador da Gamboa, próximo ao Morro da Providência, Centro do Rio, Antônio Carlos Machado Vieira Junior, 30 anos, também ilustrou manchetes de jornal. Em abril desse ano, ele foi acusado de “ser próximo à cúpula do tráfico”, Um dia depois de seu aniversário, Antônio viu sua vida virar de cabeça para baixo:
Antônio: acusado de ligação com traficantes
“Faço aniversário no dia 6 de abril e no dia 7 saiu a primeira matéria citando somente o apelido Jacaré, que também é o meu, mas com idade diferente da minha. No dia seguinte, a reportagem já trazia meu nome completo, com apelido. Minha vida virou um desastre. Dois policiais da Polinter chegaram ir à minha casa, mas eu não estava”.
Antônio é realmente ex-militar mas saiu, segundo documentos que comprovam, por ter cumprido o tempo de sete anos (1997-2004) e não porque foi expulso do exército como afirmavam as reportagens. Após ter seu nome divulgado e associado com o tráfico, Antônio foi direto a 4º DP explicar o equívoco.
“Se eu tivesse qualquer envolvimento com o tráfico não teria ido procurar a delegacia assim que li a notícia. Também fiz um curso de vigilante que para passar eles fazem levantamento de toda tua vida para saber se tem algum antecedente criminal e passei tranqüilamente. Hoje tenho medo de que alguma coisa possa me acontecer. Por isso entrei na justiça para limpar meu nome”.
Lugares diferentes, histórias semelhantes
Líder comunitário e atual Diretor da Infância e Juventude da FAFERJ (Federação das Associações de Favelas do Estado Rio de Janeiro), William de Oliveira, o William da Rocinha, 36 anos, encabeça a fileira dos acusados injustamente. Foi preso acusado de associação ao tráfico no dia 23 de fevereiro de 2005, quando passou seis meses na Polinter no Centro e no Instituto Penitenciário Ferreira Neto, em Niterói.
William de Oliveira ficou seis meses preso
“Fui preso e acusado de associação para o tráfico, tráfico, corrupção ativa e formação de quadrilha. No dia estava em reunião numa outra comunidade e eles me levaram de camburão até o Hotel Nacional, em frente à praia de São Conrado. Ali abriram a porta e diversos jornalistas já estavam esperando”.
Na época William era presidente da Associação de Moradores Pró- Melhoramentos para os Moradores da Rocinha. Para prender o líder comunitário foi montada uma mega operação que incluiu até dois helicópteros da polícia. William atribui a prisão ao fato de na época estar fazendo várias denúncias, juntamente com organizações da sociedade civil, de injustiças que aconteciam no local.
“Nem todo mundo está preparado para ouvir certas verdades. Fizemos acusações muito graves que careciam de uma ação imediata do governo. Eram pessoas inocentes sendo assassinadas, comércio falindo. Além disso, até os próprios policiais que ocupavam a favela estavam passando fome, ao relento”, lembra.
Lúcia acha que as pessoas estão mais informadas
A prisão de William gerou indignação em muitas pessoas que conheciam seu trabalho. Só na Rocinha foi feito um abaixo assinado com mais de dez mil assinaturas pedindo sua libertação. Fora da comunidade, outro abaixo assinado contou com adesão de artistas, políticos e organizações não governamentais. Durante todo esse períodoWilliam ficou preso aguardando julgamento.
“Cheguei a ficar preso em uma cela com mais de 60 pessoas num espaço que não cabia nem 20. O constrangimento que minha esposa passou, porque não é fácil ser esposa de um presidiário, são coisas que tentamos superar”, fala.
William lembra que a ajuda veio de várias pessoas e organizações não governamentais, entre elas o Viva Rio. Em 18 de outubro de 2007, o líder comunitário foi absolvido por unanimidade.“Vários amigos e pessoas que eu nem conhecia colocaram a mão no fogo por mim. Sempre tive a consciência tranqüila. A gente sempre trabalhou com muita transparência. O que passei não tem dinheiro no mundo que vai restituir. O mínimo que poderia acontecer era eu ser absolvido, não ter uma mancha no nome que me impeça de seguir”, diz.Para a moradora do Complexo do Alemão, Lúcia de Fátima Oliveira Cabral, 41 anos, que fez o curso Promotores Legais Populares, oferecido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Candido Mendes, para lideranças comunitárias que tiveram direitos violados, histórias como estas não são recentes, e que atualmente as pessoas estão buscando mais os seus direitos.“Histórias como essa acontecem nas comunidades há muitos anos nas comunidades. A diferença é que hoje, acredito que as pessoas estão mais informadas e sabem se defender melhor. A gente trabalha para que os moradores não tenham seus direitos podados, mas ainda tem muitas pessoas lutando para limpar seus nomes de acusações injustas”, fala.

Matéria feita pela Jornalista Fabiana Oliviera, em 28 de maio de 2008. Publicana no site do Viva Favela.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Rio leiloará clube tradicional fundado por negros em 1951

Rio leiloará clube tradicional fundado por negros em 1951
O Clube Renascença, fundado em 1951 por negros rejeitados em locais tradicionais do Rio, corre o risco de ser fechado em junho. A prefeitura decidiu leiloar o prédio para cobrar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O IPTU está em atraso desde 1992, mas o Renascença será vendido por causa das dívidas de 2001 e 2003 - R$ 75 mil. O lance mínimo nos pregões dos dias 7 e 14, em que serão negociados outros 508 imóveis, é de R$ 588,5 mil.

"Não acredito que o prefeito Cesar Maia (DEM) vá deixar isso acontecer. Ele é um homem de sensibilidade, criou a Cidade do Samba. O prefeito não quer ver só negro no morro com fuzil na mão. Aqui é o lugar em que o negro vem para se divertir, para se sentir à vontade", afirmou o vice-presidente Cultural do clube, César Ricardo de Oliveira.

Os débitos começaram a se acumular em 1992 e somam R$ 600 mil. Em 1991, o clube havia sido reconhecido como de utilidade pública. "Teríamos a isenção do IPTU se tivéssemos dado entrada com a cópia do decreto na própria prefeitura. Mas a diretoria da época pensou que não era necessário. Virou uma bola de neve", afirmou Oliveira. O Renascença tem 300 sócios que pagam mensalidades de 15 reais, que mal dão para as contas de luz, água, telefone e direitos autorais.

A idéia da diretoria do clube é pagar esses R$ 75 mil que são cobrados judicialmente e negociar o restante da dívida. "Queremos trocar por projetos sociais em parceria com a prefeitura para crianças das comunidades do Andaraí", disse. O procurador assistente da Dívida Ativa do Município, Flávio Rondon dos Santos, disse que não é possível. "O prefeito não tem poder de perdoar uma dívida. Remissão de crédito tributário só pode ser feito por lei", disse. Santos lembrou que os débitos começaram a ser cobrados em 2005 e podiam ter sido parcelados em 84 vezes, antes da cobrança na Justiça.

"A única saída é pagarem à vista esses R$ 75 mil e parcelarem o que ainda não foi cobrado judicialmente". O anúncio do leilão entristeceu o mundo do samba. "Depois do leilão da sede do Bola Preta, agora é o Renascença. Ali sempre foi foco de resistência. É lamentável", disse a cantora Beth Carvalho. O sambista Moacyr Luz está esperançoso. "Nos últimos dois dias, não faço outra coisa a não ser falar sobre o assunto. As pessoas estão mobilizadas, querem se cotizar. Vou torce16/05/2008 - 17h22 - Atualizado em 16/05/2008 - 17h30 r para que o prefeito veja nossa causa com bons olhos", declarou.
16/05/2008 - 17h22 - Atualizado em 16/05/2008 - 17h30 Da Agência Estado.

domingo, 25 de maio de 2008

Considerações sobe a juridicidade das políticas de ação afirmativa para negros no Brasil

SILVA, Luiz Fernando Martins da. Considerações sobe a juridicidade das políticas de ação afirmativa para negros no Brasil. In: Ação Afirmativa no ensino superior brasileiro. ZONINSEIN, Jonas, FERES JÚNIOR, João, organizadores. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2008.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Igreja Nossa Senhora do Rosário será penhorada


Igreja Nossa Senhora do Rosário será penhorada

A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou, por maioria de votos, a penhora do prédio da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, no Centro da cidade. A Igreja responde a uma ação de cobrança de mais de R$ 10 milhões ajuizada pela Horus Empreendimentos S.A., que se encontra em fase de cumprimento de sentença. Os desembargadores entenderam, nesse caso, não existir dispositivo legal que impeça a penhora do templo, apesar dele ser tombado.
A medida havia sido negada pela 34ª Vara Cível, onde está sendo feita a execução da dívida, o que provocou o recurso da Horus ao TJ do Rio. Segundo o voto do relator do recurso, juiz designado a desembargador Wagner Cinelli, inicialmente a natureza religiosa do bem não afasta a possibilidade de que ele seja penhorado. Ele citou como exemplo a penhora de um templo de São Paulo, determinada pelo Tribunal Regional do Trabalho do Estado.
"A penhora, no caso, poderia colocar em risco aspecto relevante de nossa memória histórica e social. Entretanto, por alguma razão que não se conhece, a agravada preferiu ficar silente e essa inércia levou a Procuradoria de Justiça a concluir que a "acomodação" da agravada impunha a conclusão de que ela "abre mão da primazia da proteção", afirmou o magistrado.
Ele explicou também na decisão que, diante da possibilidade de penhora do templo e também do bem tombado, não tendo surgido nos autos nenhum outro argumento suficiente que impedisse a pretensão da agravante (Horus), em recurso ainda marcado pelo silêncio da agravada (Igreja), é de ser reformada a decisão agravada, observada a notificação prevista no artigo 22, parágrafo 4º do Decreto-Lei 25, de 25/11/37 (que organiza a Proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
O artigo 22 da referida lei trata da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, em que a União, os Estados e os Municípios têm, nessa ordem, o direito de preferência. Já o parágrafo 4º diz que nenhuma venda judicial de bens tombados poderá ser realizada sem que, previamente, os titulares do direito de preferência sejam notificados judicialmente, não podendo os editais de praça ser expedidos, portanto, sob pena de nulidade, antes de feita a notificação.
A Procuradoria de Justiça destacou, em seu parecer, que a inércia da agravada implica na assunção de que ela não possui outros bens que possam ser objeto de penhora, daí o pedido de provimento do recurso. A Igreja antiga, reduto de católicos no Centro do Rio, não conseguiu, porém, até o momento indicar outro bem para o pagamento de sua dívida. No local, funciona também o Museu do Negro.
Cobrança
A ação de cobrança começou por causa de débitos contraídos pela Irmandade, em razão da resilição (dissolução) de contrato anteriormente firmado, que previa a exploração comercial e administrativa pela Horus Empreendimentos, do Cemitério Jardim da Saudade, cuja permissionária é a ré. Em sua defesa, a Igreja alegou que as taxas de manutenção cobradas aos usuários tinham natureza de preço público, o que não permitia sua utilização para fins que não os determinados pelo Poder Público. Sustentou também a nulidade do contrato de confissão de dívida entre as partes, referentes ao pagamento das taxas, sob a alegação de ser o mesmo leonino. E que o que existe é uma doação modal desta àquela de terreno onde o cemitério, de propriedade da ré, já estava construído.
Na sentença, porém, o juiz julgou procedente o pedido em parte e condenou a Irmandade a pagar ao autor a importância de R$ 648.972,19, atualizada desde a data do ajuizamento da ação (2003.001.056240-5) e com juros legais desde a assinatura das confissões de dívida, até o efetivo pagamento. A decisão foi do então juiz Marcos Alcino de Azevedo Torres, da 34ª Vara Cível, datada de 26 de dezembro de 2005. Esta decisão, porém, já foi reformada por acórdãos, estando atualmente o montante da dívida no valor de R$ 10.542.944,65.

Fonte: Assesoria de Imprensa do TJ-RJ. (www.tj.rj.gov.br)
Notícia publicada em 19/05/2008 19:14

quarta-feira, 14 de maio de 2008

ESTATUTO DO HOMEM - (Ato Institucional Permanente)

ESTATUTO DO HOMEM (Ato Institucional Permanente)


Thiago de Mello - Santiago do Chile, abril de 1964


Artigo I Fica decretado que agora vale a verdade. agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira. Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo. Artigo III Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança. Artigo IV Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino. Artigo V Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa. Artigo VI Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo. Artigo VIII Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor. Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura. Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, o uso do traje branco. Artigo XI Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã. Artigo XII Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor. Artigo XIII Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou. Artigo Final. Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.