segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Um gari que só não varre a fé

29/10/2011 às 19:00 Atualizado em 30/10/2011 às 12:14



O gari da Comlurb Alexandre Borges é pai de santo e recolhe oferendas no Alto da Boa Vista Foto: Urbano Erbiste / EXTRA
Bruno Cunha
Tamanho do texto A A A
Adeptos da umbanda, do candomblé e até de outras vertentes religiosas já podem ter a certeza de que os despachos "arriados" na floresta do Alto da Boa Vista realmente estão em boas mãos. Que o diga o babalorixá Alexandre Borges, de 29 anos, o gari que há dois anos faz um verdadeiro descarrego no local.

Morador de Nova Iguaçu, Pai Alexandre de Oxóssi recebeu a missão de recolher velas, galinhas e farofa dali, entre outros ingredientes, quando os colegas de vassoura revelaram a fé dele para os seus superiores. Desde então, a Comlurb o convidou a abrir os caminhos da mata para a pá e a vassoura.
— Contaram ao meu chefe que eu sou pai de santo e ele perguntou se eu gostaria de fazer esse serviço. Alguns garis, principalmente os evangélicos, têm medo de pôr a mão em pratos e alguidares — conta.
Os trabalhos de Alexandre no Alto da Boa Vista começam cedo. Mas o ritual é simples. Imagens de santos quebradas, por exemplo, pai Alexandre joga fora. As inteiras ele doa aos religiosos que fazem cultos com atabaques lá.
— Para retirar as oferendas eu me abaixo e peço licença em voz alta. Quando vejo a comida de um orixá, peço "agô" (perdão), coloco a tigela no saco de lixo e o deixo num canto para o caminhão levar. O difícil é limpar padê (farofa de dendê), que voa no gramado — diz.
Trabalhos recém-depositados são preservados.
— Quando ainda há velas acesas espero até o dia seguinte porque a oferenda está muito fresca — conta o gari Alexandre Borges.
‘Não desfaço o trabalho de ninguém’
A experiência como babalorixá é suficiente para que o gari Alexandre Borges possa pôr a mão até em trabalhos de feitiçaria, como o da foto de um casal, já encontrada.
— Vejo fotos, nomes e até bonecos espetados com agulhas. Só não desfaço o trabalho de ninguém. Quem faz o mal vai arcar com as consequências — ensina.
Por via das dúvidas, pai Alexandre foi aconselhado pelo pai de santo dele a fazer um ebó (descarrego) de seis em seis meses.
— É para não respingar nenhuma energia negativa em mim — conta ele, que, há quatro anos, abriu um terreiro de candomblé em uma casa alugada no bairro Cabuçu, em Nova Iguaçu.
Segundo Carlos Roberto da Silva, um gerente da Comlurb, o Alto da Boa Vista caracteriza-se pela grande quantidade de oferendas nas vias. Ele lembra que a limpeza sempre foi realizada.
— Encontrar quem sabe os fundamentos religiosos foi importante, pois ele sabe fazer a remoção e tem a maior facilidade em abordar os adeptos e pedir para não deixarem materiais espalhados, por exemplo — diz o gerente da Comlurb.

http://extra.globo.com/noticias/rio/um-gari-que-so-nao-varre-fe-2893321.html

domingo, 30 de outubro de 2011

"Legalizado", funk ganha edital e festa pública no Rio

30/10/2011 - 08h24

MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO

"Antes o funk era assunto da Secretaria de Segurança. Agora ele é tratado pela Secretaria de Cultura." A frase de Francisco Mota Jr., o MC Júnior, resume a mudança por que um dos gêneros musicais mais populares do país passou nos últimos anos.

Reconhecido como movimento cultural no Rio por uma lei estadual de 2009, o funk vem ganhando um inédito apoio estatal que culmina agora com uma grande festa gratuita, o Rio Parada Funk, que acontece hoje no largo da Carioca (Centro).

Lá, espalhados por dez palcos menores e um principal, estarão 50 DJs, 40 MCs e dez equipes de som para traçar um histórico do gênero e mostrar suas inúmeras subdivisões (tamborzão, charme, melody, montagem etc.).

Rafael Andrade/Folhapress

Mateus Aragão (o segundo à esq.), e DJ Malboro, ao centro, de preto, entre DJs e MCs que estarão no evento
"Começa a surgir uma abertura para o funk como qualquer movimento cultural deve ter. Antes a gente sobrevivia com investimento próprio e ainda apanhava da polícia. Era como o samba no início do século passado", diz Fernando Luís da Matta, o DJ Marlboro, uma das estrelas do movimento e participante da parada.

Outro marco recente da "abertura" a que Marlboro se refere é o edital lançado pelo governo do Rio, que vai distribuir R$ 500 mil para 20 projetos ligados ao gênero -as inscrições vão até amanhã no site cultura.rj.gov.br.

Segundo os funkeiros, esse novo cenário mais favorável não surgiu espontaneamente, a partir da boa vontade do governo.

"A lei não partiu do poder público. O governo teve de ouvir um setor organizado do funk, que fez a lei e cobrou que ela fosse implementada", diz Leonardo Mota, presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), criada em 2008.

Leonardo estourou como MC nos anos 1990, ao lado de seu irmão Júnior -a dupla canta no Rio Parada Funk, mostrando sucessos como "Rap das Armas" e "Endereço dos Bailes".

A partir da criação da Apafunk, o MC aproximou-se do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que o auxiliou na redação da lei de 2009 e a apresentou na Assembleia Legislativa do Rio.

O reconhecimento do funk como movimento cultural não se transferiu do papel para a prática imediatamente -ainda hoje bailes são proibidos na maior parte das comunidades com UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora).
"Com a nova lei, as arbitrariedades diminuíram, não podem mais nos prender por sermos funkeiros. Mas a lei antiga continua valendo na mão de alguns batalhões", diz Marlboro.

O próprio Rio Parada Funk, que espera atrair dez mil pessoas hoje e virar um evento anual, teve dificuldades na hora de conseguir verba -sem patrocinadores privados, todos os artistas vão se apresentar sem cachê.

"Essa mudança que aconteceu de 2009 para cá nos faz enxergar um futuro legal para o funk, mas não vai ser só uma canetada do governador que vai fazer as coisas mudarem", diz Leonardo.

"É preciso fazer várias outras ações. O Rio Parada Funk pode ser o ponto de partida."
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/998363-legalizado-funk-ganha-edital-e-festa-publica-no-rio.shtml