segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Envolvidos com álcool e drogas, índios criam milícias nas tribos


26/12/2010 22h37 - Atualizado em 26/12/2010 23h02

Envolvidos com álcool e drogas, índios criam milícias nas tribos

Caciques dizem que precisam ter armas de fogo para serem respeitados.
Tradição de castigos físicos é muito forte. 

Do G1, com informações do Fantástico
Alcoolismo, drogas, magia negra, estupros e suicídios cada vez mais fazem parte da rotina de comunidades indígenas localizadas em uma região isolada do país, nas fronteiras com o Peru e a Colômbia. Na terra dos tikunas, no extremo oeste da Amazônia, não há controle na venda de álcool e drogas.
Por isso, os índios da região formaram sua própria polícia, uma espécie de milícia paramilitar. A fronteira entre Tabatinga, no Brasil, e Letícia, na Colômbia, é rota do tráfico de drogas e de armas. O Rio Solimões é a principal estrada da região. As aldeias Tikuna ficam justamente neste entorno e são mais de 20 vilas.
Os tikunas formam a mais numerosa nação indígena do Brasil. A proximidade com os brancos tem feito os índios adotarem práticas perigosas, como o alcoolismo. O índios alegam que a bebida vêm das cidades e são vendidas nas tribos. Pela lei, é proibido vender qualquer tipo de bebida alcoólica em região indígena.
Muitos jovens e até crianças com idades entre 10, 11 e 12 anos de idade já estão envolvidos com álcool. É possível ver jovens bebendo na porta de casa, sem o menor controle dos pais. Embriagados, muitos perdem o equilíbrio e chegam a cair no igarapé.
Lei dos caciques
Em cada comunidade há um contingente que pode variar de 100 a 300 milicianos. Todos os índios têm treinamento militar e todas as tropas têm seu delegado e os instrutores. Um deles serviu ao Exército em Tabatinga como soldado. Na aldeia, ele atua como comandante. “Aqui é meus ‘polícia’. Eles me indicaram para o cargo”, diz.
O tempo que passou no Exército, onde atuava com armas, trouxe a experiência para treinar. “Sim, senhor. Com isso hoje existe a polícia indígena. (...) Sim. Aqui eu não. Porque proíbe. Aqui só cassetete para defender nosso povo”, afirma o índio.
Na polícia indígena, prevalece a lei dos caciques. “É que nas comunidades acontecem muitas coisas. É como criminalidade, estupro, invasão da terra, invasão da caça de mata ou dos lagos. Quando a gente denuncia para a Polícia Federal, eles só fazem escrever. Eles não vêm, não tomam a providência. É por causa disso que a polícia indígena foi criada”, afirma o cacique ticuna, Odácio Sosana Bastos.
“Antes de a gente começar o nosso trabalho, havia muitas drogas: cocaína, brilho, heroína, pasta. Tudo entrando pela fronteira. Mas quando a gente começou o trabalho, nós reduzimos em 85% o problema que tinha na comunidade”, garante o cacique.
Nos últimos anos, foram 85 casos de suicídio só em uma aldeia dos tikunas. “Quando consomem, eles chegam em casa com a cabeça já com álcool. O pai conversa com o filho e aconselha. Depois o filho fica revoltado. Aí o filho pega uma corda dessas e consegue se enforcar por causa do alcoolismo”, conta João Inácio Irineu Vitorino, ‘delegado’ da polícia indígena.
O antropólogo João Pacheco de Oliveira, do Museu Nacional no Rio de Janeiro, estudou o comportamento dos tikunas.“De certo modo apareceram grupos paramilitares em várias outras cidades ticunas e começaram a atuar de um modo talvez um pouco radical em relação às iniciativas da comunidade”, diz o antropólogo.
Operação Pantera
A cadeia da polícia indígena, com um metro e meio de altura, fica na comunidade de Belém dos Solimões. Na porta, algumas tábuas estão quebradas, porque os presos chutaram a parte interna.
“Quando está muito alterado, nós amarramos e jogamos aqui dentro. No outro dia, a gente tira o preso, leva para ali, chama o cacique ou chama o pastor. Fazemos uma reunião, um julgamento. Pergunta se a pessoa vai fazer de novo ou não. Aí a pessoa vai dizer que não vai fazer mais. Mas muitos repetem, muitos não cumprem”, conta
“Faz mais ou menos uns três meses que não prendo ninguém, é que mandaram parar. O Ministério Público mandou parar, porque teve uma revolta com o pessoal aqui quando nós começamos a trabalhar para acabar com esse negócio da bebida.”
Mas os caciques insistem que a polícia indígena precisa ter armas de fogo para ser respeitada. “O Ministério Público diz que nós, como índio, não precisamos usar a arma. Por quê? Nosso povo é igual ao povo civilizado. Tem revólver, tem pistola, tem machado, e ataca com essas armas em cima de nós. E nós só com cassetete?”, questiona Sosana Bastos.
Ministério Público
A procuradora da República Gisele Dias Bleggi lembra que a legislação não permite o uso de arma de fogo. "O que eles alegam para instituir a polícia indígena é a questão que eles acham que o Estado está sendo muito omisso, o Estado não está dando a proteção que tem que dar para poder garantir a segurança dos membros das próprias comunidades. Arma de fogo, não, arma deles pode. Arma de fogo é proibido, a legislação não permite", diz. 
Ela também fala a respeito a aplicação do que chama de "penas cruéis". "Os abusos que violem os direitos humanos, por exemplo, a aplicação de penas cruéis, de tortura e de morte - isso o Ministério Público não pode permitir. A Constituição não permite. O Ministério Público não pode virar as costas, mas o Ministério Público não pode apoiar que os indígenas formem uma organização militarizada”, diz a procuradora Gisele.
A tradição de castigos físicos é muito forte. “Isso aqui é para aqueles que estão muito alterados. Usam a palmatória como castigo e para que a pessoa se acalme”, diz Santo Mestâncio Alexandre, cacique da comunidade indígena Umariaçu 2.
Os índios querem receber do Estado por este serviço de policiamento. “Queremos que o governo federal nos reconheça com salário e queremos que o Congresso nacional reconheça com leis nossa segurança”, diz.
Polícia Militar
O delegado da Polícia Federal Gustavo Henrique Pivoto João diz que não se pode reconhecer este tipo de formação policial. “A Polícia Federal tem como um grupo verdadeiramente de milícia, com raízes até paramilitar. Caso isso venha evoluir para uma situação que eles tenham, por exemplo, armamento, a polícia não concorda. A Polícia Federal não apoia. A Polícia Federal reprime qualquer ação que vá de encontro ao estado democrático de direito, contra os direitos humanos”, afirma.
Para cuidar da área, a polícia conta com três delegados e 34 agentes.
Por meio de nota, a Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão responsável pela política nacional em relação aos índios, diz que a criação da "polícia indígena" é ilegal. Quando verifica a ocorrência de crimes, a Funai aciona as forças policiais.
“Há o temor de que esses índios acabem vindo a ser cooptados pelo tráfico de drogas, pelas organizações paramilitares de traficantes”, alerta o delegado da Polícia Federal, Pivoto João.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Para ex-colegas, Harvard moldou Obama

26/12/2010 - 08h22

Para ex-colegas, Harvard moldou Obama


LUCIANA COELHO
EM CAMBRIDGE (EUA)

Bradford Berenson se lembra do sujeito que fumava tranquilo do lado de fora da Gannett House, jeans e jaqueta de couro, naquele final de verão. Um "cara sossegado do Havaí", calado, com um quê de exotismo e sem nenhuma pinta de ambição.
Era 1989, e os ânimos andavam polarizados em Cambridge, Massachusetts. A casa em questão, a mais antiga da Faculdade de Direito de Harvard, 21 anos depois ainda abriga sua principal publicação estudantil, a "Harvard Law Review".
Já o sujeito descrito por Berenson hoje tenta parar de fumar. E ocupa a Casa Branca. "[Barack] Obama era querido pelos colegas, mas não era um desses tipos ultra-ambiciosos que se encontra tanto em Harvard", disse à Folha o advogado, que trabalhou no governo de George W. Bush e hoje é sócio em um escritório em Washington. "Ele era mais "cool"."
AP
O então estudante de direito Barack Obama posa para foto no campus da Universidade Harvard no início dos anos 90
O então estudante de direito Barack Obama posa para foto no campus da Universidade Harvard no início dos anos 90
Berenson se formou com Obama em 1991. Nos dois anos finais do curso, eles foram colegas na revista jurídica mensal da qual o democrata se tornou, em 1990, o primeiro presidente negro.
Os sentidos de "cool" citados pelo advogado são os mesmos atribuídos ao presidente hoje: por um lado sangue frio e distanciamento; por outro, o ar de cara bacana e seguro de si.
"A personalidade dele era fria em um lugar cheio de divisões e de paixões políticas e filosóficas", recorda. "Mas era um cara que atraía as pessoas com sua calma."
O impacto de Obama em seus professores foi forte, sobretudo nos progressistas. O renomado constitucionalista Laurence Tribe, a quem Obama tomaria como mentor, lembra-se de quando o conheceu, ainda calouro, em março de 1989.
"Ele veio ao meu gabinete discutir questões constitucionais antes mesmo de se inscrever no meu curso", contou Tribe em e-mail à Folha. "E me impressionou tanto que, no ato, o convidei para ser meu principal assistente de pesquisa. Nunca fiz essa oferta a outro calouro."
Em entrevista à "Gazeta de Harvard" após a eleição presidencial de 2008, a hoje reitora Martha Minow descreveu Obama como um aluno "que tinha uma eloquência e um respeito admiráveis entre os colegas".
Ele alçou a antecessora de Minow, Elena Kagan, para a Suprema Corte. Nove outros professores da escola frequentam hoje as fileiras de seu governo.
METAMORFOSE
Em 1989, porém, as aspirações de Obama ainda eram latentes. Berenson demorou a perceber que o colega, pouco afeito às discussões esquentadas da Gannett House, poderia presidir a "Law Review". Muito menos que enveredaria pela política. A mudança, conta, se operou lá dentro.
Para David Remnick, autor da competente biografia "A Ponte" (2010), foi em Harvard que o presidente americano percebeu seu potencial e passou a alimentar uma ambição política.
Até então ele havia sido um aluno mediano. "Foi a Faculdade de Direito que o acordou politicamente", disse Remnick à Folha.
A escola que formou 6 dos atuais 9 juízes da Suprema Corte e funciona desde 1817 é a mais antiga dos EUA ainda na ativa. Com Yale, encabeça os rankings da área.
"Essa elite o escolhe", diz o biógrafo. E a eleição do primeiro negro para comandar a revista teve repercussão nacional. "É aí que Obama passa a ter noção de suas possibilidades na vida adulta." Berenson lembra com ironia que um ponto que diferenciava o colega dos demais candidatos era que ele parecia "menos oportunista".
"Quando nos formamos, já era piada corrente que ele tinha aspirações políticas."
O "New York Times" e o "Los Angeles Times" de 6 de fevereiro de 1990 destacaram a eleição. Nas reportagens, Obama declara que o fato de ele, negro, chegar ali era "um enorme progresso". Havia, porém, "muito por fazer".
Mas nem o biógrafo nem o colega veem no jovem Obama o conflito interno para firmar sua identidade racial --pano de fundo de seu livro de memórias "A Origem dos Meus Sonhos" (1995).
Nessa época, ele já namorava Michelle Robinson, a ex-aluna de Harvard com quem se casaria em 1992 e que conhecera no estágio de verão em um escritório de Chicago.
Após a formatura, rejeitou convites de escritórios renomados e a chance de ser assistente de um juiz na Suprema Corte dada aos presidentes da "Law Review". Preferiu um escritório menor, de direitos civis, em Chicago.
"Menos de 1 em cada 100 estudantes recusa essa chance", comenta Berenson. "Já era um sinal claro de que ele pretendia seguir na política."
Tivesse escolhido uma cidade maior para atuar, avalia Remnick, sua ambição poderia acabar esmagada.
CONCILIADOR
Durante o crucial período editando a "Law Review", Obama ganharia fama de conciliador. Como agora, os ânimos estavam acirrados.
"Era um ambiente político muito azedo na Faculdade de Direito, e a resenha condensava isso", conta Berenson.
Ação afirmativa e raça eram debates quentes. "Os alunos discutiam sobre a nomeação de professores. As pessoas se davam bem, mas, nas salas de aula e na revista, havia uma dose de conflito."
O advogado afirma que o presidente era respeitado e estimado na ala direitista da publicação. Quem se irritava, diz, era a esquerda mais radical --situação ecoada hoje na crítica progressista de que Obama esmoreceu.
"Era claro que ele era de esquerda, mas na edição da revista ele era muito mais pragmático e conciliador do que combativo", descreve.
Por isso, Berenson não esperava o que chama de "o presidente ideológico" dos primeiros 20 meses de governo (os dois não eram próximos, embora tenham mantido contato esporádico).
Para o ex-colega, "o Obama que vimos desde a eleição legislativa em novembro", quando o governo perdeu para os republicanos a maioria na Câmara, "se parece muito mais com aquele Obama da "Law Review"".